São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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'França toma rumo oposto ao necessário'

DIJANA SULIC; WERONIKA ZARACHOWICZ

França toma rumo oposto ao necessário'
Pergunta - Qual é sua visão de uma Europa unificada?
Fukuyama - Não acho que vá acontecer, embora seja uma meta válida. Não vejo como a Europa possa conseguir chegar lá. Não vejo como algum país possa conseguir atingir os alvos de Maastricht sem uma diluição séria do projeto todo, o que incomodaria aos alemães. A eleição francesa e outros acontecimentos o demonstram.
Pergunta - Como o sr. vê os novos governos francês e britânico?
Fukuyama - A França toma o rumo oposto àquele que é necessário. Muitos franceses vivem num mundo econômico diferente daquele que eu entendo. Está claro que o moderno Estado de bem-estar social vive uma crise. O premiê Jospin fala sobre a cruel e indiferente visão anglo-saxônica do capitalismo. Por outro lado, os EUA hoje têm um índice de desemprego de 4,8%, equivalente a mais ou menos um terço do índice francês. Não entendo o que há de tão cruel e desumano nisso.
O Reino Unido tomou as medidas necessárias para ser competitivo e produzir riqueza e emprego na economia global moderna. Os alemães têm pelo menos uma noção do que é preciso fazer. Até meados do próximo século, metade da população européia terá mais de 55 anos de idade. Todos terão de se aposentar aos 70. Não é possível manter um moderno Estado de bem-estar social em que 60% da população não trabalha.
Pergunta - Na virada deste século, cresce a importância do conceito de sociedades interligadas em redes. Muitos profetas da era da informática afirmam que a revolução tecnológica significa o fim da hierarquia política, econômica e social. O sr. poderia comentar?
Fukuyama - É verdade que as velhas instituições hierárquicas -desde os Estados burocráticos até as corporações privadas centralizadas- têm muitos problemas. Técnica e economicamente elas têm dificuldade em se adaptar à tecnologia e às condições de produção modernas. Uma sociedade de redes é o caminho do futuro. Mas ela exige que as relações sociais sejam mais horizontais. Mas, para isso, é preciso que exista uma confiança social ampla.
Pergunta - E o que dizer dos países terceiro-mundistas onde a maioria das pessoas nem sequer possui uma linha telefônica?
Fukuyama - Uma rede não é uma situação tecnológica. Isso ajuda, mas a essência da rede é uma forma de organização social na qual se confia nas pessoas para tomar suas próprias decisões, serem responsáveis por sua própria organização e administração. O Estado moderno constitui um obstáculo à criação de uma sociedade de rede adequada.
Pergunta - O que vai sobrar de nosso século no século 21?
Fukuyama - Em termos econômicos e sociológicos, o século 20 começou com a ascensão da sociedade industrial e termina com a ascensão da sociedade pós-industrial. Politicamente, o século 20 foi um século do Estado. A política foi movida principalmente por Estados-nações. O século começou com uma grande guerra na Europa, travada por Estados-nações. Muitos dos movimentos políticos maiores, como o nacional-socialismo e o bolchevismo, foram tentativas de promover a modernização e a transformação social-econômica, conferindo poder maciço ao Estado. Agora as pessoas se deram conta de que isso falhou e que o Estado é incapaz de modernizar a sociedade. Boa parte do fracasso do Estado se deve à complexidade da vida econômica moderna. Assim, o campo de ação para a atividade do Estado é hoje muito mais restrito. O que testemunhamos hoje na sociedade pós-industrial vai permanecer por muito tempo.

Tradução de Clara Allain

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