São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
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O grande tiro de Pedro Malan; Combinado; EREMILDO, O IDIOTA; Cenário ruim; Não é leso; Tasso Jereissati fez o dever de casa; Joaquim Murtinho; Conta esquecida

ELIO GASPARI

O grande tiro de Pedro Malan
Na quinta-feira, dia 24, o ministro Pedro Malan pediu ao presidente Fernando Henrique Cardoso que lhe conseguisse um espaço na agenda para aquele mesmo dia. Coisa de meia hora, não mais que isso. Encontraram-se e, em menos tempo do que se poderia supor, o economista Gustavo Franco estava escolhido presidente do Banco Central. Foi um golpe de mestre.
Malan já levara o nome de Franco a FFHH duas vezes. A primeira, quando Pérsio Arida pediu o boné, no início do governo. A segunda, no final de 1995, na crise da Pasta Rosa do Banco Econômico, quando FFHH admitiu a possibilidade de tirar Gustavo Loyola. Desde então, sempre que alguém lhe dizia que era preciso trocar o presidente do Banco Central, respondia: "E boto quem?".
Botou Gustavo Franco em menos de meia hora por conta da habilidade de Malan, que transformou em champanhe os limões atirados contra ele pelo ministro Sérgio Motta.
Há vários meses, Malan sabia que tinha a cadeira de presidente do Banco Central no bolso. Loyola queria ir embora, e FFHH pagava o táxi. Inicialmente, preferiu segurar Loyola a trocá-lo por José Roberto Mendonça de Barros. Seu candidato era Gustavo Franco. (Malan jogou o cargo no pano verde quando Franco quase caiu, na gestão Arida. Jogou-o também em duas outras ocasiões, uma contra o chefe do Gabinete Civil, Clóvis Carvalho, que queria ficar com a negociação da dívida dos Estados. Nesse caso, argumentou que ficaria desprestigiado.)
Quando Sérgio Motta atacou Malan, acusando-o de ficar calado nas reuniões que discutiam assuntos econômicos, mencionou uma trivialidade. Não só porque ele realmente fica calado, mas até porque Motta sabe que o apelido do ministro da Fazenda chegou a ser "o bóia", e não foi ele quem o inventou. Na verdade, Motta mal conhece Malan e em quase dois anos de governo só tratou diretamente com ele uma vez, quando o ministro da Fazenda encaminhou-lhe um irrelevante e simpático pedido de um artista amigo.
Depois do ataque de Serjão, Malan esteve com FFHH, demonstrou uma compreensível e contida contrariedade. Obteve o compromisso de que o dinheiro da privatização iria para o abatimento da dívida. (Compromisso bem mais publicitário do que contábil, destinado a alimentar o "Mata-Serjão", e pouco mais que isso.)
Nas 72 horas seguintes, até a noite de quinta-feira, dia 24, as coisas mudaram. Apareceu uma estranha figura: o "amigo do Malan". Personagem misterioso, surgiu na imprensa admitindo a hipótese de o ministro da Fazenda pedir as contas. Fez pelo menos duas aparições e, numa delas, traduzia um desconforto que teria atingido até mesmo a família do ministro. Há indicações de que o "amigo do Malan" estava dizendo a verdade. Uma cena desse desconforto foi fidedignamente narrada a FFHH.
Quando Malan e FFHH sentaram-se para conversar, Gustavo Franco era um nome invencível.
Primeiro, porque só ele (nem o prêmio Nobel Milton Friedman) poderia ser colocado na presidência do Banco Central sem estimular boatos de uma desvalorização do Real. Essa virtude lhe dava uma qualificação superior à soma de todos os seus inconvenientes.
Segundo, porque Malan podia dizer que a indicação de Gustavo Franco era uma questão de afirmação de sua autoridade, atingida pela serjada, com reflexos na sua vida pessoal.
Bingo. FFHH nomeou não só o novo presidente do Banco Central, mas talvez o próximo ministro da Fazenda, caso algum dia precise mudar de titular sem mudar de política. (Se a política fizer água, os dois saltam antes.)
Com 31 anos de experiência na burocracia, Malan mostrou nesse episódio que talvez tenha se tornado o maior especialista em FFHH a bordo da nau tucana. Joga em silêncio, mas joga bruto. Já foi capaz de se enfiar na agenda de uma visita de um ministro estrangeiro a Brasília com a mesma naturalidade com que excluiu o ministro Antonio Kandir, do Planejamento, de uma reunião com outro. Já deixou sem fala o ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Mostrou que morreria por Gustavo Franco, mas não se incomodou quando o secretário da Presidência, Eduardo Jorge, eletrocutou-lhe um candidato a cargo no segundo escalão de seu ministério. (Talvez hoje até lhe agradeça, porque os argumentos do secretário protegeram-no de um equívoco.)
O papel que melhor desempenha é o de mau político.

Combinado
As relações do novo presidente do Banco Central, Gustavo Franco, com o diretor de Política Monetária, Francisco Lopes, nunca foram boas.
Podem ficar ótimas, mas isso é outra história.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota. Ele acha que a CUT se juntou às passeatas das polícias por sugestão de algum consultor de empresas obcecado com as maravilhas da sinergia. Indo juntos às manifestações, economizam meios, agregam valor às marchas e criam novas formas de parceria.
O idiota encantou-se com uma declaração do doutor Ivan Moura Campos, secretário de Política de Informática e Automação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ele informa que as tarifas de importação impostas aos computadores (30%, contra 8% cobrados à comida de gato) "nada têm a ver com a legislação de incentivos à pesquisa e desenvolvimento ora em vigor".
O idiota já entendeu que o governo protege a indústria de computadores isentando-a de alguns impostos. Ele já aprendeu também que, quando o governo isenta um empresário de impostos, arrecada menos e gasta menos dinheiro em maracutaias, escolas e hospitais. Por idiota, não entende o que significa que esses incentivos "nada têm a ver" com o Imposto de Importação.
Como a mesma Viúva paga os salários do doutor Ivan e o do doutor Everardo Maciel, secretário da Receita Federal, o idiota acredita que, se eles se telefonarem, encerram o mal-entendido. Ou acabam com o incentivo à produção, ou acabam com o desincentivo à importação.
Eremildo acha que um dos dois está fazendo coisa desnecessária. Ou então o doutor Ivan quer ampliar o mercado nacional de idiotas, coisa que o ofende, pois tem exercitado sua estupidez sem qualquer incentivo oficial.

Cenário ruim
Está entendido que a Câmara dos Deputados absolverá os três deputados que sobreviveram ao escândalo das fitas do Senhor X.
Há o receio, contudo, de que no dia seguinte à absolvição apareça coisa nova, como uma frase do governador do Acre, Orleir Cameli, qualificando uma das pessoas absolvidas.
Se isso acontecer, o barulho será o de menos. A verdadeira dificuldade será o retorno da grita pela CPI dos Votos Comprados.

Não é leso
O ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, pode não saber o que é a dignidade de um negro ou o limite de velocidade numa estrada, mas sabe guardar recordações.
Anotou e preservou tudo o que conversou durante as tensas negociações da votação da emenda da reeleição. Em papel.

Tasso Jereissati fez o dever de casa
A maneira como o governador Tasso Jereissati enfrentou o motim da polícia cearense pode servir de modelo para que os sábios do poder façam seus deveres de casa em episódios semelhantes. Nem tudo deu certo, e algumas coisas deram muito errado, mas isso só enriquece o caso. O tiroteio de Fortaleza ensina uma só coisa: quando alguém decide, as coisas acontecem.
Em abril, quando o único assunto da política nacional era a CPI dos Precatórios, Tasso Jereissati se deu conta de que faltava pouco para que perdesse o controle de sua polícia. Convenceu-se de que não havia alma viva no Ceará capaz de controlar a polícia. Foi a Brasília e pediu ao ministro do Exército que lhe indicasse um general da ativa.
Em junho, quando começou o motim da PM mineira, o general Candido Freire já estava na cadeira. Unificou-se o comando das Polícias Civil e Militar. Trocaram-se todos os comandantes de batalhões da PM. Transferiram-se as duas corregedorias para a jurisdição do secretário de Segurança e colocaram-se representantes do Ministério Público na fiscalização dos atos dos policiais.
Quando o governador Eduardo Azeredo capitulou, Jereissati informou a FFHH: "Isso vai se alastrar. Vai se alastrar horizontalmente, porque outras PMs vão atrás. Vai se alastrar verticalmente, porque, se os funcionários armados conseguem aumento, os desarmados também vão querer". Dito isso, foi cuidar da vida. Criou um plano de reclassificação, que era um aumento disfarçado, mas estava abaixo do que os policiais pediam. No dia 30 de junho, o cabo Adelmo, presidente da associação de PMs, informou que o governo tinha 20 dias de prazo: "Se não formos atendidos vamos às ruas".
Duas semanas depois, quando a PM alagoana depôs o governador Divaldo Suruagy, o governador cearense decidiu que com ele o caso seria diverso: pediria intervenção federal, mas não cederia. Chamou o secretário de Segurança e pediu-lhe um plano de contingência, prevendo cada reação possível a um motim em Fortaleza.
Na noite de segunda-feira passada, veio a informação de que se preparavam assembléias de PMs. Decidiram ocupar as sedes das associações. Haveria uma passeata. Decidiram que ela não chegaria à Secretaria de Segurança. As manifestações seriam filmadas, e quem fosse identificado seria excluído da polícia.
No inicio da manhã de terça-feira, o governador, o general e todos os sábios do governo foram surpreendidos. Ao contrário do que haviam informado os comandos, a PM estava na passeata, e, em cada quartel que passava, a manifestação crescia. (Só não engrossou no Corpo de Bombeiros porque o comandante deu um tapa no rosto de um piqueteiro e ameaçou atirar.) Decidiram que a marcha não passaria do Hotel Esplanada, a dois quarteirões da Secretaria de Segurança.
Por volta das nove da manhã, Jereissati pediu cobertura à tropa da Região Militar. Duas horas depois, soube que ela não aparecera. Encrenca pior não havia. Ligou para o ministro do Exército e informou-o do sucedido. A essa altura, o governador temia que perdesse o controle da situação, mas resolveu fincar pé. A partir de meio-dia, foi o que se viu na televisão.
A tropa de pára-quedistas do Exército desembarcou em Fortaleza horas depois, chegando ao centro à noite.
No dia seguinte, as associações de militares estavam ocupadas, e os manifestantes identificados, submetidos a um rito sumário de exclusão da PM. O presidente do sindicato de policiais civis, homicida sentenciado a 15 anos, com outros nove processos nas costas, estava encarcerado, por conduta imprópria a um condenado que responde em liberdade.
Considerando que o único baleado no conflito de terça-feira foi o comandante da PM, o governo do Ceará conseguiu uma proeza: impôs a ordem levando tiro. Mas a passeata parou onde se tinha estabelecido que ela haveria de parar.

Joaquim Murtinho
Com FFHH querendo ser o presidente Campos Salles (1898-1902) e o economista Gustavo Franco na presidência do Banco Central, chegou a hora de se revisitar o pensamento de seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho.
Médico homeopata, diretor de banco e dono de fazendas de extração de erva-mate em Mato Grosso, saneou as finanças nacionais depois da crise do papelório do início da República. (Escrevendo sobre o período, o professor Cardoso escreveu sanear com aspas, mas, a esta altura, deve ter esquecido por que fez isso.) Privatizou centenas de quilômetros de ferrovias que mais tarde foram estatizadas e, agora, novamente privatizadas. Tinha um texto elegante e o senso de humor de uma porta.
Com a palavra o Doutor Murtinho:
- O emprego de capitais e operários em indústrias artificiais representa um verdadeiro esbanjamento da fortuna nacional.
- Uma indústria em que a mão-de-obra representa o papel principal no custo de produção deve ser considerada atualmente artificial no Brasil, mesmo quando toda a matéria-prima exista entre nós.
- Quando o Estado intervém na vida bancária, cria essa peste econômica -o papel-moeda de curso forçado.
- Nenhum país tem o meio circulante que deseja ter, mas o que pode ter.
- Uma balança (comercial) desfavorável nem sempre é sinal de decadência econômica.
- Vivemos em uma República em que os republicanos emprestam aos que governam o poder sobrenatural que os antigos povos atribuíam aos monarcas de origem divina.
- A seleção (...) eliminará os mais fracos, deixando subsistir os mais fortes. Já fui classificado de bárbaro por sustentar semelhante doutrina, como se eu fosse o criador dessa lei da natureza e como se eu pudesse impedir sua aplicação.
Combatendo os incentivos públicos à importação de mão-de-obra européia:
- Não podemos imitar (...) nesse ponto os Estados Unidos da América do Norte; não temos o poder assimilador enérgico e intenso desse povo.
Tratando da indústria:
- Não podemos, como muitos aspiram, tomar os Estados Unidos como tipo para nosso desenvolvimento industrial, porque não temos as aptidões superiores de sua raça.

Conta esquecida
Os diretores dos bancos HSBC e Excel descobriram que podem ser confrontados com uma dívida trabalhista de algumas centenas de milhões de reais.
Nas negociações feitas em Brasília, eles supunham que tinham ficado com aquilo que denominavam "parte boa" do banco, deixando a ruim para a Viúva. Nela estariam incluídos os passivos trabalhistas. Só na Justiça do Trabalho do Paraná, o falecido Bamerindus deixou algo como 3.500 processos. Não é pouca coisa num banco que teve 8.000 funcionários e hoje tem 3.750.
Quem conhece a legislação trabalhista garante que não há escolha: ou os novos bancos são responsáveis pelas dívidas, ou a idéia de transferi-las para uma banda podre, que poderia vir a resultar em calote, será facilmente caracterizada como tentativa de fraude.

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