São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
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A vitória do perdedor

JANIO DE FREITAS

Sempre que a sensação de onipotência dos governantes se depara com pressões, duas cenas são inevitáveis. Na primeira, o governante tenta ares napoleônicos e sentencia: "Não negocio sob pressão". E logo estará negociando, porque é unicamente quando postos sob pressão que esses governantes negociam em torno de necessidades sociais.
A outra encenação é a da vitória governamental sobre o movimento reivindicatório. Lei, ordem, autoridade são palavras muito usadas então, como se de repente ganhassem sentido. Mas as concessões são feitas, parciais umas, outras até além do pedido. E durante certo tempo os mesmos reivindicantes vão merecer a raridade da atenção.
O governador Tasso Jereissati, do Ceará, está elevado a exemplo de autoridade bem exercida, por ter ordenado à oficialidade bem remunerada que dissolvesse a passeata, ainda tão pacífica quanto ilegal, dos PMs insubordinados por melhor salário. Mal começaram, porém, as represálias a um punhado dos insubordinados, já o reajuste para a soldadesca está assegurado, aparecendo ainda nos cofres públicos, antes tão esgotados, R$ 10 milhões para várias melhorias na PM. Até casa para os policiais o governo se dispõe a dar.
Ainda que com menor prodigalidade, todos os governantes vão fazendo o mesmo. E não só os estaduais. A meio das propostas inócuas do governo federal, uma é muito procedente: a redução da disparidade entre o ganho mensal dos soldados e o dos oficiais. É a maior reivindicação que os soldados da PM fazem (exceto no Rio) desde o fim do regime militar. Há anos e anos menciona-se tal problema. Mas foi preciso que dois grupos da PM se guerreassem em Fortaleza para que o governo fizesse a concessão de tratar às pressas do assunto. Em benefício dos que Fernando Henrique Cardoso qualificou como desordeiros.
Essa redução das disparidades salariais, que o governo federal considera indispensável e urgente para controlar as PMs, tem até um aspecto engraçado. É provável que a providência seja considerada inconstitucional, por se tratar de intromissão do governo federal em questão de domínio estadual, como são os vencimentos das polícias Civil e Militar. Nas propostas federais para as PMs, o que não falta são sugestões inconstitucionais, regra, por certo, de quem governa por medidas provisórias portadoras do mesmo vício.
Mas, de volta às disparidades, são elas tão grandes, na quase totalidade dos Estados, que sua redução exigirá gastos imensos. Acréscimos enormes nas folhas de pessoal dos governadores que têm negado correções ao funcionalismo, sob o argumento de falta de recursos. Logo, o governo federal que prega a redução dos gastos públicos pretende induzir gastos com as PMs que nem as PMs mais reivindicadoras pensaram em provocar.
Das negociações preventivas que não existiram, por parte dos governantes onipotentes, mas postos contra a parede, à providência planaltina que representa o estouro final nas finanças estaduais, tudo é lucidez ao melhor estilo neoliberal. E vitorioso. Vitorioso?

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