São Paulo, quarta-feira, 6 de agosto de 1997
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Asfalto, Pelé e anemia

BERENICE A. KIKUCHI

A anemia falciforme, com prevalência de 1 em cada 500 nascidos vivos na raça negra, é doença genética, incurável, autolimitante e com alto índice de mortalidade.
O impacto dessa doença é camuflado. Num país camufladamente racista, que só percebe ou reflete sobre seu racismo quando alguém de projeção exterioriza um sentimento introjetado na alma brasileira -como na fala do ministro Eliseu Padilha, cujo impacto este tentou minimizar afirmando sua ascendência negra. Afinal, quem é branco neste país?
Como presidente da Associação de Anemia Falciforme do Estado de São Paulo, vivencio no cotidiano a invisibilidade dessa doença, que acomete não apenas os declarados pretos e pardos, mas toda a população brasileira.
A doença é hereditária, causada por um gene recessivo que pode ser encontrado na população brasileira em frequências que variam de 2% a 6%. Quando se consideram só os afrodescendentes, a frequência pode variar de 6% a 10%.
Essas pessoas têm apenas um gene para a doença. Não têm manifestações clínicas e são chamadas de portadoras do traço falciforme.
Quando pessoas com essa condição genética se unem, elas têm 25% de chance de gerarem filhos com a anemia falciforme. Acreditam elas ser uma fatalidade, não o resultado de suas combinações genéticas. Assim, o casal pode ter vários filhos com a mesma doença.
As pessoas com anemia falciforme produzem glóbulos vermelhos deformados, com forma de foice, obstruindo o sistema circulatório e causando microinfartos em diferentes partes do corpo, comprometendo os órgãos. Também são suscetíveis a infecções. A fase mais crítica da doença é até os 5 anos.
A ausência de políticas públicas é responsável pela alta morbi-mortalidade dos doentes e o desespero dos casais portadores do traço falciforme. Devido à invisibilidade, as escolas médicas também ignoram essa doença.
Em estágios na Jamaica e em Cuba, constatamos que políticas públicas eficazes e de baixo custo são capazes de ter um impacto significativo na expectativa e na qualidade de vida desses doentes.
Em São Paulo, no dia 13/6, o prefeito Celso Pitta sancionou projeto do vereador Carlos Neder que prevê a implantação do programa de prevenção e assistência aos portadores do traço/doença anemia falciforme. O projeto sancionado estabelece um conjunto de ações que, se realmente forem implantadas, podem a médio prazo resultar no aumento da expectativa e da qualidade de vida dos falcêmicos.

Berenice Assumpção Kikuchi, 46, é presidente da Associação de Anemia Falciforme do Estado de São Paulo e coordenadora da Saúde da População Negra no Conselho Especial do Negro

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