São Paulo, quarta-feira, 6 de agosto de 1997
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O déficit em conta corrente

ANTONIO DELFIM NETTO

O Brasil é um país extremamente curioso. As "verdades" são avaliadas pela língua em que se apresentam. Essa é a única explicação plausível para o escândalo causado por uma inocente análise de nossos problemas externos feita por uma organização financeira internacional de grande credibilidade.
O estudo não se referia especificamente ao Brasil, mas a 21 economias emergentes. Com um exercício aritmético extremamente simplificado ele apenas procurava calcular qual a hipotética taxa de crescimento real necessária para sustentar, no longo prazo, um dado nível de passivo externo com relação ao PIB.
A prova de que o exercício era inofensivo e simples especulação é que na primeira semana de junho ele dizia: "Talvez os resultados mais interessantes desta análise se refiram ao Brasil, à República Tcheca e à Tailândia. O Brasil e a República Tcheca pertencem ao grupo de economias cujo déficit em conta corrente é 'muito grande' com relação à sua taxa de crescimento".
Cuidadosamente, entretanto, o trabalho afirma que existem condições favoráveis que dão àqueles países tempo para ajustar-se. Com relação à Tailândia (que seis semanas depois entraria em crise), o resultado é que "ela parece ter menor necessidade de ajustar-se do que outros países da nossa amostra"! Provavelmente duvidando das próprias conclusões, o documento acrescenta que "os ajustes não exigirão, necessariamente, uma alteração da taxa cambial". Na Tailândia exigiram...
Se escrito em português, o relatório teria a sua verdadeira dimensão: apenas uma especulação interessante e que deveria ser auditada, antes de acordar nossos "medos". Afinal de contas, como dizia o velho dr. Johnson, "depois de toda especulação dois e dois continuarão a ser quatro". Mas escrito em inglês produziu um frisson parisiense e atraiu a ira dos deuses brasilienses.
O pior é que a conclusão com relação ao Brasil é correta, pelas razões erradas. Que nosso déficit em conta corrente é insustentável nas condições atuais é evidente apenas pelo fato de que nosso PIB cresce a 3% ao ano, enquanto a taxa de juro real do mundo é da ordem de 4%.
Não é preciso ser matemático ou economista para intuir que quando a taxa de juro real é maior do que a taxa de crescimento real do PIB, a relação entre o passivo externo e o PIB crescerá sem limite, a não ser que o país gere superávit em conta corrente.
Esse resultado (com muito maior sofisticação) se estabelece implicitamente, na nossa opinião, no magnífico trabalho de Alexis Maka ("A sustentabilidade de déficits em conta corrente", abril de 1997) e no de Fábio Giambiagi ("O déficit sustentável em conta corrente", julho de 1997), quando apontam o fantástico esforço exportador (ou o corte das importações) necessário para dar sustentabilidade ao déficit.
É óbvio que, com Deus neutro, o nosso balanço em conta corrente é insustentável. O que se pode discutir é se ele será corrigido com maior ou menor sofrimento.

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