São Paulo, domingo, 10 de agosto de 1997
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A invasão dos gordos

GILBERTO DIMENSTEIN
VOCÊ PREFERE AMPUTAR UMA PERNA OU VOLTAR A FICAR OBESO?

Numa pesquisa patrocinada pelo governo americano, essa pergunta foi feita a ex-obesos que, depois de se entregarem por anos a dietas, drogas e exercícios, afinaram o corpo.
Resultado: 91% disseram que perderiam a perna. Se, porém, em vez da perna, o custo de manter a forma fosse ficar cego? Mais uma vez, venceu a estética.
Esses sinais de desequilíbrio emocional são ingredientes da epidemia da gordura que se dissemina pelos EUA. Só para dar uma idéia: há cientistas garantindo que a obesidade já é o problema de saúde número 1 dos americanos.
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Na semana passada, a revista científica "The Lancet" publicou investigação de um pesquisador sueco (Per Bjorntorp), mostrando que a epidemia ganhou escalas mundiais, atingindo países ricos e pobres.
Em nenhum lugar, porém, ela é tão devastadora como nos EUA -a começar pelas crianças. Estatísticas produzidas pelas universidades indicam que uma criança obesa entre 11 e 13 anos está com o destino quase selado: 70% se tornam adultos balofos, candidatos a diabetes, derrames ou ataques cardíacos.
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Em todas as turmas sempre havia um gordinho, geralmente o mais bem-humorado e camarada. Também era o mais forte, fator de segurança nas brigas.
Esse personagem de exceção virou regra. Caso se mantenham os atuais índices, em 20 anos, segundo dados do departamento de estatísticas de saúde daqui, metade da população vai ser obesa.
Hoje, já são 58 milhões que precisariam perder quilos para evitar complicações na saúde.
Não é à toa que uma empresa de biotecnologia (Amgen) viu seu valor subir de US$ 900 milhões para US$ 11,2 bilhões, ao fazer um rato emagrecer, graças à engenharia genética.
Traduzindo: um grande negócio.
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Curioso desse negócio é que há um bombardeio de ofertas de pílulas, livros, vídeos, dietas, ginásios, alimentos light, "fat-free", "sugar-free", gerando um faturamento de US$ 33 bilhões por ano.
Quanto mais se gasta em regime, mais o país engorda, num ritmo epidêmico.
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Cientistas indicam o peso da hereditariedade. Colocando em números: se alguém tem pai e mãe acima do peso, carrega 80% de chance de passar a vida brigando com a balança.
O contraste: se ambos os pais forem magros, o risco cai para 14%.
Segundo os estudos, há uma combinação entre fator hereditário e estilo de vida. Brincar na rua, hoje, nas grandes cidades, é privilégio de gente rica que mora em condomínios, com porteiras e exércitos privados. Ou muito pobre, onde, na maioria das vezes, ninguém cuida de ninguém.
Crianças mantinham o metabolismo equilibrado brincando e pulando na rua, correndo atrás de bola, sem engenhocas high-tech, muitas vezes empurradas pelos pais (ou seja, nós) para não incomodar.
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Esses dados estão municiando um movimento americano conhecido por "simplicidade voluntária". É considerado por empresas de marketing uma das mais importantes tendências do país.
A idéia é simplificar até onde puder as necessidades, numa troca de dinheiro por mais tempo livre ou menos ansiedade. Na prática, questiona os valores da produtividade e eficiência a qualquer preço.
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Nada a ver com os hippies e com o culto à natureza. É uma tendência que não apenas aceita, mas reverencia a tecnologia.
Mas quer usá-la do jeito apropriado: um acessório para encurtar distâncias, ganhando tempo para o contato humano.
Não é, portanto, um movimento saudosista ou com ojeriza aos avanços da ciência. Ao contrário: tira vantagem desses avanços, não se deixando aprisionar pelas cadeias de telas.
Sejam as telas do televisor, computador ou dos bichinhos virtuais, uma das mais notáveis idiotices contemporâneas.
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PS - Por falar em saúde, um médico amigo meu, Raul Cutait, do Hospital Sírio-Libanês, me disse, aqui em Nova York, que a vida começa aos 40, mas ponderou: "Mas é também quando acaba o prazo de garantia".
Recomendou que eu sempre andasse pelo menos 30 minutos por dia. Para seguir o conselho, fiz uma pequena adaptação: sempre que posso ando pelos corredores da gigantesca loja de discos Tower, procurando novidades.
Não sei se o cooper musical está funcionando. A julgar pelas roupas apertadas, certamente não. Mas, pelo menos, fico descobrindo deliciosos CDs.
Uma das melhores descobertas -e das mais inesperadas- foi curiosamente um CD brasileiro, intitulado "Disfarça e Chora", do sax soprano José Nogueira. Imaginei que ninguém poderia deixar ainda mais bela a música "Beatriz" (Edu Lobo e Chico Buarque). Conseguiu.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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