São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 1997
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Plano Diretor

EDUARDO DELLA MANNA

"Uma coisa é pôr idéias arranjadas; outra é lidar com país de pessoas, de carne e de sangue, de mil-e-tantas misérias... De sorte que carece de se escolher."
Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas", in "Projeto São Paulo - Propostas para a Melhoria da Vida Urbana", de Jorge Wilhelm

Não resta dúvida de que as propostas apresentadas para o anteprojeto do novo Plano Diretor de São Paulo são resultado da experiência de planejamento e de gestão acumuladas nas últimas décadas por técnicos da prefeitura.
E notamos que é graças a essa experiência que o anteprojeto rompe com aquela idéia, muito forte nas décadas de 50, 60 e 70, de que é possível, mediante o planejamento, guiar a economia, a evolução social e o progresso político.
Essa noção foi duramente refutada pelos fatos, também no que diz respeito à questão urbana. Não que planejar seja dispensável, mas é preciso confinar essa ação às suas reais dimensões, ou seja, ao conhecimento de sua efetividade e de seu poder de interferir num processo muito mais complexo, posto que os direitos dos cidadãos é que definem as verdadeiras forças dinâmicas da construção da cidade.
Os planos diretores expressam o desejo de dominar o futuro, de transformá-lo em algo possível. Só que, entre a concepção e a implantação, as circunstâncias mudam. Não se pode perder de vista que a cidade é produzida por uma multiplicidade de agentes públicos e privados, sendo que as ações do poder municipal são limitadas.
Por isso, alguns conceitos agora sugeridos podem ser considerados tremendamente inovadores, em se tratando de Plano Diretor.
Um deles, que permeia todo o anteprojeto, é o da conceituação da cidade como um espaço dinâmico, não-acabado. A cidade não é mais um modelo teórico a ser alcançado, e o planejamento urbano passa a ser entendido como algo recarregável e reciclável.
Outro rompimento conceitual muito importante é o reconhecimento de que não são apenas os investimentos públicos que determinam o futuro da cidade.
É verdade que estes têm papel fundamental, sobretudo no que se refere à infra-estrutura urbana e aos sistemas viário e de transporte. Todavia, demonstra a história, esses investimentos acabam indo a reboque de uma cidade que se foi produzindo na frente, graças, entre outros, à iniciativa privada.
Sendo assim, chegou-se à conclusão de que de nada nos valeria um plano como modelo de cidade ideal, consubstanciado em um conjunto de obras públicas que, se implantado, geraria novos potenciais de aproveitamento do solo.
Sem horizontes possíveis de exequibilidade dessas intervenções, duas alternativas restariam: tudo ficar como está -portanto, a cidade se deteriorando dia a dia- ou, o que é mais grave, adotar novos parâmetros, que conduziriam a uma expansão sem a respectiva correspondência em termos de investimentos necessários para tal.
Dentro dessa premissa, parece claro que os pressupostos básicos e de caráter eminentemente estratégico do plano devam ser os que estão contemplados no anteprojeto: um conjunto de regras simples e claras que oriente a ação dos agentes públicos e privados que atuam na produção e gestão de São Paulo; um sistema de formas de recuperação imediata da cidade, com base no poder de alavancagem de recursos que o próprio processo cotidiano de produção do espaço urbano já possui; um arcabouço de diretrizes que abra a possibilidade para um detalhamento maior, em nível local, para a realização de planos setoriais -já previstos na Lei Orgânica- e de legislação complementar, a ser aprovada pela Câmara Municipal.
Lembre-se que o fato de trabalhar com horizontes relativamente longos não impede que um Plano Diretor seja revisado e reajustado periodicamente.
No processo de planejamento, o elemento importante não é o plano, mas, sim, a atividade de planejamento. Essa, sim, pressupõe seu detalhamento e sua atualização. Sem isso, qualquer Plano Diretor cai no vazio.

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