São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 1997
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O segredo das seitas

OTAVIO FRIAS FILHO

Reportagens recentes, como a de Elvira Lobato no domingo passado, mostram a intensa movimentação das igrejas na disputa por emissoras de televisão. Assim como era comum, no passado, que a religião promovesse guerras e contratasse generais, é natural que as igrejas atuem hoje como empresas e mantenham estrategistas de mercado.
A Igreja Católica resistiu o quanto pôde, é verdade, a essa tendência, mas se vê cada vez mais sem alternativa. De uns tempos para cá seus prelados procuram enfatizar a "qualidade, não a quantidade" de fiéis, no que parece uma admissão antecipada de que a maioria, a longo prazo, está perdida para o enxame de novas crenças.
Ao contrário do que se imaginava nos anos 50 e 60, a ameaça não veio da umbanda nem do "comunismo ateu", mas de um protestantismo popular que se enraizou no Rio de Janeiro para se difundir, com rapidez impressionante, pelo país. Um fenômeno que ainda está, em meio à névoa dos preconceitos, por ser melhor compreendido.
Sua emergência, em outros países além do Brasil, parece ter fechado a equação do Vaticano. Despolitizar a Igreja foi a prioridade do atual papado desde o início, seja porque o sistema alternativo ao capitalismo entrava em falência, seja porque o avanço das novas seitas refletia uma necessidade mística, desatendida pelo clero.
A Igreja havia se aproximado demais do pólo terreno, ainda que coletivo, da sua atuação. Prova disso eram os transes e exorcismos das seitas pentecostais, verdadeiros espetáculos de entrega religiosa comparados à burocracia da missa. Os crentes precisavam disso, voltar a crer, a confiar numa dimensão transcendente, espiritual.
Esse raciocínio, que prevaleceu, está correto? Não se trata de juízos de valor, mas de tentar compreender as estratégias em jogo, sem nenhuma agressão às diversas crenças, todas respeitáveis. Não estaria a Igreja Católica hipnotizada pela histeria dramática dos cultos rivais, a ponto de confundir as aparências pelo que está por trás delas?
Apesar da farsa das possessões, das imagens vívidas de um inferno tomado ao pé da letra, o protestantismo popular está solidamente fincado na vida terrena. Não é essa a diferença entre ele e a Teologia da Libertação, mas sim o fato de que a abordagem desta última é coletiva, enquanto as seitas falam a cada indivíduo.
Os objetivos são práticos, nada têm de místico: parar de beber, deixar as drogas, conseguir um emprego ou um empréstimo. Os manda-chuvas se enriquecem, é claro, à custa da crendice popular, mas os fiéis nem por isso estão sendo ludibriados: é evidente que muitos deles se tornam produtivos, melhoram de vida, "progridem".
Gostamos de pensar que a nossa época, materialista ao extremo, gera em contrapartida uma nostalgia mística expressa em cristais, duendes ou tarô. Mas esse animismo moderno está a serviço, também ele, do usufruto material, suas fórmulas são sortilégios em troca de vantagens pessoais. A crise não é do "terreno", é do "coletivo".

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