São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997
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Thomas se aventura pela dança

Diretor estréia hoje em BH

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com o espetáculo "A Breve Interrupção do Fim", que o grupo mineiro Primeiro Ato estréia hoje em Belo Horizonte, o diretor teatral Gerald Thomas marca sua primeira parceria com a dança.
Nessa obra em que as mulheres ridicularizam os mitos masculinos do poder, Thomas assina a criação, direção, cenografia e trilha sonora. A coreografia foi feita por Suely Machado, que fundou o Primeiro Ato dez anos atrás.
A seguir, trechos da entrevista de Thomas à Folha por telefone, de Belo Horizonte.
*
Folha - Por que você resolveu trabalhar com dança e aceitar o convite do grupo Primeiro Ato?
Gerald Thomas -Aceito qualquer oportunidade que me permita me exercitar nessa expressão que observo avidamente há tanto tempo. Minhas peças são coreografadas. A expressão física e a movimentação dos atores sempre foram tão ou mais importantes do que o texto, a iluminação.
Não gosto de assistir a peças de teatro, mas a espetáculos de dança eu sempre vou com o maior prazer e curiosidade. Interessei-me muito cedo por Merce Cunningham, Alvin Nikolais, até que surgiu Pina Bausch. Aí me apaixonei de vez, percebi que a dança possuía uma enorme vantagem sobre o teatro, que já estava chato.
Folha - Ano passado você tentou realizar um espetáculo de dança com Ismael Ivo, na Alemanha. Por que não deu certo?
Thomas -Acho que foi por insegurança dele. Confesso que não sabia quem era Ismael Ivo antes de receber o seu convite. No decorrer do trabalho, o que ele me apresentava como coreografia do que eu havia proposto dramaturgicamente no dia anterior nada mais era do que uma má Pina Bausch. Era uma "pinice" aguda, sendo que Ismael, no palco, continuava aquele mesmo canibal selvagem e primitivo que sempre foi. Quando o clima já estava meio ruim entre a gente, eu fui explicar um pouco sobre Marcel Duchamp e o Ismael se precipitou e disse que Duchamp era um escritor. Diante disso, resolvi abandonar o barco.
Folha - E com a Suely Machado, a integração foi fácil?
Thomas -Tivemos uma integração absoluta e total, como aliás eu não previa. Eu pressentia complicações, porque nunca tive parcerias assim. A Daniela Thomas fez meus cenários durante muito tempo, Bete Coelho foi minha parceira como atriz, mas nunca tive uma parceira de criação.
Porém, desde o primeiro dia foi uma harmonia total. Eu desenho uma cena para a Suely, coloco os atores, explico dramaturgicamente, falo, demonstro, dou a ela a trilha sonora e ela transforma tudo numa dança fascinante. A cada dia tenho novas surpresas.
É fascinante, agora, ver meu projeto dar certo. Não é só teatro-dança no sentido de os intérpretes terem uma expressão dramática, mas um teatro de situação, uma dança de situação que estamos criando. Teatro-dança já é um termo esgotado. O que estamos fazendo talvez possa ser chamado de "action and situation dance".
Folha - Existe um roteiro que se construiu no decorrer do processo criativo?
Thomas -Existe uma narrativa tão fragmentada como em qualquer outro espetáculo meu. Prefiro dizer que o espetáculo se compõe de fragmentos engraçados, uma espécie de túnel do tempo, em que Elvis Presley se encontra com Gandhi, Hitler, Jesus Cristo e também Leonardo da Vinci, num lugar que não é a Terra.
"A Breve Interrupção do Fim" é, talvez, o prosseguimento da última cena de "2.001 - Uma Odisséia no Espaço", do Kubrick, em que o embrião que viveu tudo aquilo está pronto para nascer e criar uma nova humanidade.
Folha - Há um tema central?
Thomas -Falo dos fracassos entre essa coisa chamada mulher e essa coisa chamada homem, que não há jeito, mesmo porque a competitividade jamais deixaria de existir e, infelizmente, o domínio do macho é quase inevitável. Se o mundo fosse dominado pelas mulheres, seria certamente um lugar mais interessante de se viver.
Folha - Hoje a dança o estimula mais do que o teatro?
Thomas -Por mais careta que seja, uma companhia de dança tem algo mais jovial do que uma companhia de atores joviais. De vez em quando, ministro workshops de teatro e me impressiono com o baixo nível. Se você fala de Goethe, já não sabem muito bem o que é. Como a dança moderna, essa coisa de Martha Graham, é desse século, você não tem que ter 550 anos de cultura, está restrito a 80 anos. É mais recente. A dança é uma flor que ainda cheira bem, ao contrário dessa planta morta, dessa folha de outono que é o teatro.

Espetáculo: A Breve Interrupção do Fim
Quando: hoje, 22h30; amanhã, 20h30; de 21 a 23, às 21h, e 24, às 20h
Onde: Teatro Sesiminas (r. Padre Marinho, 60, tel. 031/241-4411)
Quanto: R$ 10 e R$ 20

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