São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Betinho

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Sinto profunda admiração por quem acreditou na dignidade da pessoa humana e lutou, com todas as suas energias, para defendê-la e promovê-la.
Betinho, de olhar vivo e penetrante, uniu as qualidades de rara inteligência a um coração aberto às necessidades do próximo.
Diante da enorme desigualdade social, soube solidarizar-se com o sofrimento do povo, captar as injustiças das estruturas que as causam e empenhar-se por superá-las. Tive o privilégio de conhecê-lo mais de perto, durante os anos em que lançou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
Não recorreu diretamente ao governo nem às lideranças econômicas ou partidárias. Seu desejo era mais audacioso. Procurou unir-se a um grupo de companheiros que partilhava o mesmo ideal, na intenção de iniciar um movimento capaz de sensibilizar toda a sociedade e despertar, diante da miséria, a consciência e a indignação ética.
Conseguiu mobilizar as forças vivas do país num clima de paz e solidariedade, antes desconhecido.
Hemofílico, foi perdendo a resistência imunológica por causa da transfusão de sangue. Ao lado de seus irmãos Henfil e Francisco Mario, lutou tenazmente para viver. Longe de deixar-se abater, estendeu a experiência da fraternidade a todos os seus semelhantes. Assim perguntava: "Como você pode conviver com a miséria? Se fosse alguém de sua família, você aceitaria essa situação?".
Atento à complexidade dos problemas do país e à lentidão das soluções, identificou-se sempre mais com o sofrimento do povo. Não se contentou em exercer o espírito crítico, mas assumiu a sua parte e cobrou, em nível nacional, a co-responsabilidade de todos para eliminar a fome e multiplicar empregos.
Diante das crianças e adolescentes pobres e abandonados, foi dos primeiros a firmar o "pacto pela infância" que, nos últimos anos, incentivou os governos estaduais e municipais a tomar medidas concretas em favor da educação e da saúde e contra a violência.
Herbert de Souza não quis se candidatar a cargos políticos. Despretensioso e simples, passa à nossa história como exemplo da cidadania e incansável dedicação ao bem comum.
Quando alguns não temem lesar princípios para obter benefícios, Betinho soube renunciar a privilégios e vantagens pessoais e manter-se coerente com sua consciência e os ideais de liberdade e ética na política.
Em tempos de omissão, egoísmo e fechamento de coração, Betinho nos surpreende e conforta com seu testemunho de seriedade e competência profissional, de luta pela justiça e de solicitude fraterna pelos excluídos. Deixa-nos, como herança, o dever de continuar sua missão e de construirmos um Brasil onde haja condições dignas de vida para todos.
Ao comparecer diante de Deus, Betinho terá a agradável surpresa de descobrir que o faminto, a quem tantas vezes alimentou, era o próprio Cristo (Mateus, 25, 40).

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

Texto Anterior: Tartarin em ação
Próximo Texto: NETVÍCIO; PARQUE JURÁSSICO; SINTONIA FINA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.