São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Globalização muda o ensino das crianças

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A globalização -que é a circulação cada vez mais intensa e veloz de informações, mercadorias e dinheiro pelo mundo- coloca novas exigências para a educação.
Os países que quiserem se manter ou tornar competitivos terão de investir pesadamente na qualificação de sua força de trabalho. Do contrário, correm o risco de se tornarem meros depósitos de uma mão de obra pobre e barata.
Mas não basta apenas direcionar a educação para a qualificação dos trabalhadores. A globalização tem produzido desigualdades crescentes nas sociedades.
E é aí que a educação terá de desempenhar um papel ainda mais importante -defenderam igualmente os cinco participantes do debate "O Impacto da Globalização na Educação das Crianças", promovido pela Folha e pela Fundação Abrinq pelos Direitos das Crianças.
"Educar para a competitividade é uma coisa pequena. Nós temos que pensar mais amplamente", afirmou Guilherme Peirão Leal, vice-presidente executivo da Natura Cosméticos (leia frases). "Só a sociedade organizada pode lidar com os efeitos da globalização."
Cidadania
Os debatedores usaram diversas expressões para definir o que a educação deve suprir hoje.
Em síntese, a idéia é formar "para a cidadania", "para participar ativamente da democracia"; usar a educação para fortalecer "os valores humanos e não só os econômicos"; buscar "o desenvolvimento econômico com rosto humano".
As dificuldades para se atingir isso vão desde "a orientação política, ética e ideológica dos governantes" -que foi criticada pela deputada federal Esther Grossi (PT-RS)- até a necessidade de convencer uma parcela do empresariado de que a visão imediatista é prejudicial à educação. "A transformação é a longo prazo", disse Guilherme Peirão Leal, da Natura.
Maria Helena Guimarães Castro, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação, fez alguns paralelos históricos às transformações que a educação está sofrendo com a globalização.
"Desde o Renascimento que a educação se desenvolve dessa maneira. No Século das Luzes, no Iluminismo, houve a expansão da escola para a burguesia. No século 19, as massas de trabalhadores começaram a entrar na escola na Inglaterra para poder ter um emprego na fábrica. Agora estamos em outro final de século, que apresenta desafios, não sei se iguais ou superiores", afirmou.
Oded Grajew, diretor-presidente Abrinq, analisou a globalização distinguindo seus impactos positivos e negativos sobre a educação.
Entre os efeitos positivos, Grajew destacou "o processo acelerado de comunicação, de interdependência, de avanço tecnológico, que viabiliza um acesso muito maior às informações". Esse desenvolvimento "permite que você possa educar de uma maneira muito mais diversificada e sofisticada".
O conhecimento de diversas culturas provocado pela circulação de informações viabiliza uma sociedade mais tolerante. "Você pode ter uma globalização dos direitos humanos, da democracia, da solidariedade", disse Grajew.
Por outro lado, esse modelo econômico acirradamente competitivo leva à busca de mão de obra mais barata -e, em alguns lugares, ao trabalho infantil. Para Grajew, "criança é para estudar e para brincar".
A lista de efeitos negativos continua: com a cultura da competição, "o peso em cima das crianças na escola hoje é imenso"; "as crianças não conseguem deglutir toda a informação a que são submetidas". A comunicação com máquinas diminui o contato entre as pessoas. A vida mais acelerada faz com que "sobre cada vez menos tempo para os pais se relacionarem com os filhos";
Família
Esther Grossi criticou a atitude de escolas culparem a família pelos problemas que as crianças têm no estudo e defendeu que "não é o tempo que os pais ficam com a criança que é importante. É o tempo do desejo."
Para ela, "hoje os pais são muito melhores pais do que tempos atrás. As crianças são muito mais desejadas. Os pais hoje decidem quando tê-las, quando antes elas vinham à traição".
Como outros debatedores, Udo Bock, coordenador do Unicef no Sul e Sudeste do Brasil, chamou atenção para a "globalização da miséria" -mostrando, por exemplo, que há no mundo 140 milhões de crianças fora da escola.
Defendeu quatro medidas para reverter esse quadro: 1) redirecionamento dos investimentos da guerra para o social; 2) desenvolvimento econômico com rosto humano; 3) qualidade total na educação; e 4) globalização da indignação em relação à miséria.
A ameaça sobre o poder e a ação do Estado também foi um dos temas centrais do debate. Grajew ressaltou o papel central do Estado no oferecimento de uma educação pública de qualidade.
Castro, a representante do MEC, afirmou que "o Estado onipresente não existe mais" e enfatizou a necessidade do envolvimento de toda a sociedade, do setor público e privado, para enfrentar os desafios colocados à educação.
Castro e Grajew rejeitaram qualquer iniciativa na área econômica que leve à isenção fiscal: "São recursos que deixam de ir para a educação", disse Grajew.

Texto Anterior: 'Eu não tenho nenhum futuro'
Próximo Texto: FRASES
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.