São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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A lógica do linchamento

LUÍS NASSIF

Recebi vários e-mails a respeito das colunas sobre a morte de Galdino, o índio pataxó. Alguns francamente a favor; outros "infelizmente" a favor; alguns educadamente divergentes; outros furiosamente contrários.
É prova cabal da complexidade do tema, e de como a simplificação acaba produzindo distorções de monta em sua análise.
Julgo que o papel do jornalista é correr riscos, na defesa do que lhe parece correto. E, nesse clima de linchamentos que caracteriza o comportamento da mídia, ter a coragem de remar contra a maré.
Não é tarefa fácil. Em geral, evita-se a bola dividida. Na competição que se instalou na mídia, muitas vezes a preocupação com a própria imagem acaba sendo preponderante.
Primeira versão Esse comportamento é pernicioso para a busca da verdade, porque impede que outros ângulos da questão sejam apresentados ao público. Consolidou-se a primeira versão, poucos ousam investir contra a maré, para não comprometer a própria imagem.
No fundo, repete-se, em épocas diferentes, os mesmos processos de linchamentos que caracterizaram os julgamentos políticos dos anos 70. Não há diferença fundamental no comportamento da opinião pública que, seduzida pela euforia do "milagre", caçava subversivos nos anos 70, e a moderna opinião pública procurando outras "caças".
O único ponto diferente é que parte dos "caçados" da época gostou de sua nova condição de "caçadores".
Segurança nacional Não tenho por hábito divulgar cartas de apoio à coluna, mas, por refletir bem a natureza desses processos, publico carta remetida por Fernando Damatta Pimentel, petista, secretário municipal da Fazenda da Prefeitura de Belo Horizonte.
"Sua coluna de hoje (15/08), sobre o julgamento dos assassinos do índio pataxó, merece ser distribuída nas escolas de jornalismo e de direito. De fato, tudo indica que se prepara um novo massacre via mídia: o julgamento dos bárbaros executores do índio Galdino. E agora, pior, pretende-se massacrar também a juíza Sandra de Santis".
"Até este momento, a sua é a única voz lúcida neste caso. Parabéns por, mais uma vez, enfrentar o corporativismo da imprensa, seduzida pelo escândalo barato e diário, que vende jornal e aumenta a audiência de rádio e TV".
"Não tenho qualquer simpatia pelos quatro rapazes. Mas aprendi a prezar o direito acima de tudo. Ocorre que, na minha juventude, militei na resistência armada à ditadura militar. Em 1970, combatente da VPR, fui preso em Porto Alegre após fracassada tentativa de sequestro do cônsul norte-americano. Do episódio resultaram dois feridos: eu mesmo, atropelado pelo carro do diplomata, e o próprio, baleado por outro companheiro quando acelerou o veículo para escapar".
"Julgado, fui condenado em primeira instância a 15 anos de prisão, não pela tentativa de sequestro, mas sim por uma suposta tentativa de homicídio do cônsul. Esta era a 'justiça' das auditorias militares de então".
"A verdade e o direito só foram repostos pelo STF, que reduziu a pena a quatro anos, admitindo a tese da defesa de que o tiro não fora premeditado nem intencional, mas sim fruto involuntário da situação".
"Faço este registro para que você saiba que tenho razões pessoais para entender sua postura neste episódio, e concordar com ela." Fernando Damata Pimentel.
Apenas registro que alguns jornais -incluindo a Folha- e colegas também abriram espaço para o contraditório, permitindo àqueles que não tinham acesso aos autos (incluindo-me entre eles) formar opinião contrária à maré do linchamento.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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