São Paulo, segunda-feira, 18 de agosto de 1997
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Welles/Macbeth e Olivier/Hamlet se confrontam

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Orson Welles não tinha este "Macbeth" (1948), relançado em vídeo, como sua adaptação preferida de Shakespeare para o cinema. Mas também não tinha seu "Otelo" (52), criação genial recuperada quatro anos atrás.
Welles, mais o ator que o diretor, preferia "Chimes at Midnight" (65), sobre Falstaff, personagem patético que tinha muito dele próprio (com cenas de "Henrique 4º", "Henrique 5º" e "As Alegres Comadres de Windsor").
São filmes singulares. Em "Macbeth" está presente a criação múltipla do ator/diretor de teatro/cinema, mas limitada pela produção à Roger Corman e pela pressão de mostrar ser respeitoso das regras industriais de Hollywood.
Filmou em três semanas, sempre restrito ao estúdio, mas com passagens de criação próprias da fama que o incensava e perseguia.
Usou os limites de orçamento em seu favor, atingindo uma atmosfera opressiva de salões fechados, potencializada pelos figurinos e adereços sombrios, que expuseram um Macbeth levado ao desvario homicida, infanticida, pela ambição de poder -ou melhor, pela fraqueza diante da ambição.
O elenco, de companheiros de teatro, do Mercury, é talvez o melhor do filme, em especial com o próprio ator-rei (como se descrevia) Welles e com a enlouquecida Lady Macbeth (Janet Nolan).
Por outro lado -o que somou nova camada de rancores hollywoodianos à sua lista- foi um "Macbeth" com sotaque escocês, o que levou a acusações de incompreensível. Passado meio século, o efeito é enriquecedor, de estranha musicalidade em Shakespeare.
Com todo o limite de produção, o arriscado "Macbeth" de Welles talvez seja de maior agrado, nestes tempos "pulp", do que a perfeição e o detalhismo do "Hamlet" (1948) de Laurence Olivier.
É uma versão muito cortada da tragédia (aliás, como "Macbeth"), o que causou revolta nos puristas do teatro, mas não do cinema, de meio século atrás -com Eric Bentley, o crítico anticomercial, na vanguarda dos ataques.
O estranhamento maior vem do corte de personagens, como Rosencrantz e Guildenstern, e da redução da trama para acomodar-se à visão edipiana de Hamlet então em voga, por conta de estudos freudianos à Ernest Jones.
Freudiano que seja, diante do tio Cláudio que casa com sua mãe e leva o trono, trata-se de um Hamlet sensual e apolíneo, que sobressai ainda mais em comparação com as atuações frias à sua volta. (Jamais se compreendeu por que Vivien Leigh, mulher de Olivier e que tinha tudo para o papel, até a loucura, não fez Ofélia.)
Olivier é certamente a maior referência de interpretação de Hamlet no cinema, até pela consagração do Oscar de melhor ator e pela viabilização comercial. Nem tanto no teatro, onde o arrebatado John Barrymore e o técnico John Gielgud projetam longas sombras.

Filme: Macbeth
Direção: Orson Welles
Filme: Hamlet
Direção: Laurence Olivier
Lançamento: Continental Home Vídeo (tel. 021/262-5212)

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