São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 1997
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Rio Grande do Sul é um estado de espírito

MOACYR SCLIAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em termos de Rio Grande do Sul, a geografia condiciona o destino.
Basta olhar o mapa para constatá-lo: o Estado é a ponta do país, o extremo meridional do Brasil, encravado no Cone Sul da América Latina.
O Brasil originalmente não tinha esta ponta; ela foi conquistado, a ferro e fogo, aos espanhóis no século 18.
Daí a tradição de luta do gaúcho; daí também a sua sensação de isolamento em relação aos centros tradicionais de decisão política, isolamento ao qual o caudilhismo é uma resposta: já que estamos longe do poder vamos lá conquistá-lo.
Cena paradigmática: os gaúchos de Getúlio Vargas amarrando seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, em 1930, no Rio de Janeiro.
Deste distanciamento nasceu também uma cultura própria. De novo, influenciada pela geografia. O pampa gaúcho, esta vasta planície ondulada com seus amplos horizontes, era a paisagem ideal para a criação do gado, conduzida pelo peão da estância do lombo de seu cavalo - daí nasceu a imagem do "centauro dos pampas" (nem sempre autêntica: também existe o "gaúcho a pé", o peão de estância pobre demais para ter o seu corcel).
Toda produção cultural da região, da música folclórica aos contos de Simões Lopes Neto e aos romances de Érico Veríssimo, está marcada por este cenário.
Que caracteriza o Estado, mas não é o único: o norte do Rio Grande, a serra, recebeu no século passado um grande contingente migratório -alemães, italianos, eslavos- que criaram também suas manifestações culturais.
Esta cultura surpreende pela originalidade e pela vitalidade.
Os Centros de Tradição Gaúcha, os CTGs congregam cerca de 1 milhão de pessoas, da população total de pouco mais de 10 milhões.
O Rio Grande tem os seus próprios festivais de música nativista. Até mesmo o linguajar do Estado mantém característica próprias: o "tu" sobrevive apesar da influência homogeneizadora das redes de TV. Que também não conseguiram influenciar muito os gostos da população.
Duplas sertanejas são olhadas com simpatia, mas os gaúchos preferem seus próprios cantores.
E o rodeio, que o faroeste americano exportou com tanto êxito, não chega a se constituir em espetáculo habitual.
O gaúcho ainda prefere a chamada corrida em cancha reta.
Entre parênteses, esta preservação das raízes históricas e tradicionais é por vezes interpretada como separatismo, o que não corresponde à realidade.
Movimentos separatistas existiram e existem no Rio Grande do Sul, mas sua expressão atual é ínfima.
Nem poderia ser de outra maneira: exatamente por habitarem um Estado de fronteira, os gaúchos sempre tiveram consciência -e orgulho- de sua condição de brasileiros. Se fosse diferente, como poderiam Grêmio e Internacional disputar o campeonato nacional?

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