São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 1997
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Leia o discurso de posse de Franco na presidência do Banco Central

Leia a seguir a íntegra do discurso de posse de Gustavo Franco na presidência do Banco Central.

1. Excelentíssimos colegas membros do CMN, ministros de Estado da Fazenda e do Planejamento, demais ministros, presidente Gustavo Loyola, autoridades do Poder Legislativo, senadores e deputados, autoridades do Poder Judiciário, excelentíssimos senhores governadores, colegas diretores e demais autoridades, funcionários da casa, senhores e senhoras, amigos.
2. Não posso deixar de iniciar este meu enunciado de intenções (que não deverá ser mais que uma reafirmação de compromissos, pois trata-se aqui, afinal, de uma transição marcada pela continuidade) por um agradecimento ao excelentíssimo senhor presidente da República pela confiança em mim depositada, bem como ao excelentíssimo senhor ministro de Estado da Fazenda, meu fraternal amigo, colega e professor, Pedro Sampaio Malan.
3. É enorme o desafio, imensa a responsabilidade de presidir esta instituição. É ainda maior a responsabilidade tendo em vista que estarei substituindo homens como os que aqui me acompanham nesta mesa -doutor Pedro Malan, que me trouxe para esta casa em setembro de 1993, para a diretoria de Assuntos Internacionais, e meu amigo doutor Gustavo Loyola, que também me honrou com a sua confiança ao manter-me na mesma função.
4. Isso sem falar nos outros ex-presidentes que tanto dignificaram a função máxima desta instituição, alguns dos quais aqui entre nós.
5. Vejo-me em condições de enfrentar este extraordinário desafio apenas e tão-somente porque conheço bem os métodos de trabalho de meus colegas na área econômica do governo, cuja característica mais proeminente é a decisão colegiada, o trabalho em equipe. E trabalhar dessa forma, na companhia dessa extraordinária equipe -e eu destaco especialmente meus companheiros de diretoria FLL, CET, CM, AM e PZ- faz as coisas muito mais fáceis.
6. É, para mim, motivo de imenso orgulho pertencer a uma equipe da qual já fizeram parte nomes consagrados como Edmar Bacha, André Lara Resende, Pérsio Arida, Winston Fritsch e José Serra, e que veio a incorporar nomes como o de um FLL, JRMB, PPP, Everardo Maciel, Bolivar Moura Rocha, EAG, Amaury Bier, Antonio Kandir, além de Gustavo Loyola, que hoje nos deixa.
7. Devo dizer -e tenho certeza que falo em nome de toda esta equipe- que a saída de Gustavo Loyola é uma perda irreparável para o grupo. Uma perda proporcional à extraordinária contribuição que ele teve para a consolidação do Plano Real, num contexto de dificuldades -que todos conhecem- no sistema bancário, bem como no plano macroeconômico. Gustavo Loyola deixa para nós um extraordinário exemplo de coragem, retidão e competência, como poucas vezes tive a alegria de testemunhar num servidor público. O Brasil deve muito a Gustavo Loyola. Esta casa, em especial, deve muito a Gustavo Loyola, que nos conduziu por mares revoltos com grande firmeza. Fica aqui o meu, o nosso agradecimento e a promessa de que o seu trabalho terá prosseguimento.
8. Gostaria também de estender a nossa homenagem ao doutor Alkimar Moura, que em breve nos deixará, deixando atrás de si uma imensa folha de serviços para o bem desta casa, para o bem do Plano Real e para o bem do Brasil. Ao doutor Alkimar o nosso agradecimento.
9. Deve ser sempre lembrado que a condução do Plano Real, sua concepção, operacionalização e gestão estão longe de se esgotar nos economistas. Uma enorme quantidade de pessoas trabalhou e trabalha pelo Real, nas mais variadas especialidades. Alguns da equipe original se tornaram ministros de Estado ou assumiram cargos executivos de enorme responsabilidade, como os companheiros CC, EJ, Raul Jungmann, Paulo C. Ximenes, Sérgio Cutolo, Luciano Patrício, José Cechin, dentre tantos outros, meus colegas do BC, diretores, chefes de departamento, chefes de divisão, as pessoas que apertam os botões, que escrevem as circulares e movem as engrenagens, heróis anônimos dessa extraordinária experiência de criação coletiva que tem sido o Plano Real.
10. Sempre se exagera -a meu juízo, indevidamente- a importância de pessoas desse grupo, tomadas individualmente. Apenas um merece essa distinção, o condutor desse processo, sem o qual nada disso teria acontecido: a saber, o presidente FHC.
11. Reconstrução monetária
12. A natureza da missão que hoje estou a assumir (e de que trata esta cerimônia) deve ser vista amplamente. O Brasil se vê às voltas com um processo de reconstrução monetária -o qual, não tenhamos ilusões, apenas começou. Não é muito frequente que se observem a profundidade e a grandeza desse processo -a reconstrução da moeda-, que pode ser tão complexo e tortuoso quanto o processo de degeneração da moeda, que há tempos vimos sofrendo.
13. Disse certa vez John Hicks, Prêmio Nobel de Economia no ano de 1977, que "o dinheiro não é apenas um mecanismo, um M1 ou M2, numa equação, mas essencialmente uma instituição, uma das mais notáveis instituições humanas".
14. Certamente, o dinheiro é bem mais que um simples repositório de poder de compra: é uma das mais importantes partes componentes da identidade nacional. É por isso que o escritor italiano (búlgaro de nascimento) Elias Canetti observa que, "excetuando-se as guerras e revoluções, não há nada em nossas civilizações modernas que, em sua amplitude, se possa comparar às inflações". E ele as descreve de maneira extraordinária: "a inflação é como uma orgia satânica de desvalorização na qual homens e unidade monetária confundem-se da maneira mais estranha. Um representa o outro; o homem se sente tão mal quanto o seu próprio dinheiro, que segue cada vez pior; juntos, todos se encontram à mercê desse dinheiro ruim e, juntos, sentem-se igualmente desprovidos de valor"...
15. São observações sobre a experiência da hiperinflação alemã, mas absolutamente pertinentes para nós. A degradação da moeda é degradação de valores, é a tributação do pobre, é o triunfo da segmentação social, do apartheid social.
16. Conforme rezava a EM 395 (de dezembro de 1993, submetida pelo então ministro da Fazenda FHC e aprovada pelo então presidente Itamar Franco): "a moeda degradada que hoje temos está intimamente ligada ao apartheid social que vivemos no país. É uma moeda para o pobre que não tem como se defender da inflação. A moeda do rico é a moeda indexada, que o isola do processo inflacionário e chancela transferências de renda a favor desse grupo" (# 132)
17. Deve ser evidente que não há nada de ideológico na afirmação de que devemos ter uma moeda sadia. A moeda sadia é uma questão ética: trata-se de evitar a expropriação do pobre por meio da inflação. Trata-se de evitar essa "poupança forçada" extraída daqueles que menos têm a contribuir nesse domínio. Trata-se de evitar a hipocrisia de o Estado gastar mais do que tem em nome do pobre, mas tributando esse mesmo pobre em nome do qual alega agir. Trata-se de denunciar mistificações muito comuns, como por exemplo, a de que o inflacionismo, a gastança, a irresponsabilidade fiscal seriam causas progressistas, ou populares, enquanto a "moeda sadia" seria uma causa reacionária. Nada mais enganoso: o Real veio a demonstrar que o populismo não é popular e que a "moeda sadia" ajuda a igualar os homens.
18. Mas, como já observado, a regeneração da moeda está apenas começando. A consolidação da estabilidade requer "reformas", como desde o início temos repetido; reformas que devem ser entendidas de forma ampla como "curas" para os problemas fundamentais que nos levaram à década perdida, doenças sérias que durante muito tempo teimamos em ignorar.
19. O saudoso professor Mário Henrique Simonsen -o maior e melhor de todos nós, que gostaria muito que estivesse aqui conosco e a quem presto aqui a minha homenagem- descreveu com propriedade as diversas tentativas de estabilização anteriores ao Real como "anestesias sem cirurgia": tentativas de lidar com a superfície do fenômeno e não com a essência. Tentativas de evitar o reconhecimento de que tínhamos, e ainda temos, problemas sérios, doenças difíceis que necessitam de cuidados muito especiais.
20. Pela primeira vez em muitos anos, o governo tem mostrado iniciativa e firmeza de propósitos em empreender verdadeiras reformas, ou seja, atacar os "fundamentos" da questão inflacionária e do colapso do desenvolvimento brasileiro. Essas tarefas compreendem, como se sabe, diversas alterações na Constituição, assim como muitas outras alterações e inovações em nível de lei, mas também processos amplos, como, por exemplo, a abertura e a privatização, os quais têm avançado com grande velocidade e decisão e têm modificado a face do país. À luz de tudo isso, não há dúvida que o Brasil mudou para melhor.
21. A ênfase nas "reformas" está na raiz de um desdobramento -que deve ser visto como absolutamente natural- da agenda da estabilização. Com o tempo, a agenda da estabilização vai se confundindo com a agenda do desenvolvimento. Ao fim das contas, a estabilização, para consolidar-se, procurará resolver os problemas que causaram a hiperinflação e a estagnação. É natural que, em certa altura, esse processo se identifique com o da definição de um novo modelo de desenvolvimento.
22. Segue-se, portanto, que não há contradição entre estabilidade e desenvolvimento: (i) não há verdadeiro desenvolvimento sem estabilidade, pois é um equívoco imaginar que a inflação seja, de alguma forma, necessária para o desenvolvimento; assim como (ii) a estabilidade não é um processo que se esgota em si mesmo.
23. Essa dependência mútua entre estabilidade e desenvolvimento é bastante bem estabelecida neste governo, em que não existem "escolas de pensamento", mas apenas funções, ou seja, existem funcionários encarregados de investimentos e outros encarregados de aspectos específicos da estabilidade, e a coordenação dessas funções cabe ao PR.
24. Instituições
25. A manutenção da estabilidade (a retomada do desenvolvimento sob condições de estabilidade) depende de reformas, mas também depende de instituições. O processo de estabilização poderá ser construído, no início, a partir de alguma ousadia, engenho e habilidade, virtudes humanas que o presidente da República reúne em si e em torno de si, mas a construção pode ser efêmera, transitória mesmo, se não for estabelecida em bases impessoais, ou seja, institucionais.
26. O dinheiro, como já foi dito, é uma instituição, e o BC é talvez a mais importante das instituições específicas que compõem o sistema monetário. O BC se confunde com o real na exata medida em que funciona como o seu principal guardião, aquele cuja função é prevenção de abusos contra a moeda, que se tornam abusos contra a cidadania. O BC precisa ser forte para cumprir essa missão.
27. O fortalecimento institucional do BC, especialmente no que toca à sua capacidade de defender a moeda, é um desafio fundamental que não é apenas meu, mas de toda esta nação, que recém aprendeu a transformar sua aversão à inflação, e às suas consequências, em limites a posturas, políticas e iniciativas de cunho inflacionista.
28. Nos anos recentes, foram diversas as tentativas de avançar nesse terreno, algumas das quais ligadas às tentativas, infelizmente frustradas, de regulamentar o artigo 192 de nossa Constituição.
29. Temas como a independência do BC têm gerado discussões apaixonadas, sem que se tenha uma idéia precisa do que se trata. A questão precisa ser discutida não no plano filosófico ou doutrinário, mas do ponto de vista prático, objetivamente: mandatos, competências, instâncias decisórias.
30. Em sociedades mais maduras que a nossa, onde está melhor e mais firmemente estabelecida a noção de que não há nada de ideológico na moeda sadia, (i) existe o mandamento constitucional de que o BC deve cuidar da estabilidade do poder de compra da moeda nacional, (ii) existem mandatos para os dirigentes do BC e (iii) chega-se a ponto de os mandatos desses dirigentes não coincidirem com os do chefe do Executivo. O que se tem aí é o desejo da sociedade -que se expressa nesse tipo de legislação- de tornar o BC independente de orientações alternativas do Executivo, ou seja, que o BC seja o defensor da moeda, qualquer que seja o governo, seja conservador, trabalhista, social-democrata ou populista.
31. Se vamos moldar a nossa legislação nessa direção ou não, dependerá da discussão da regulamentação do artigo 192. O Parlamento deverá decidir. Nossa intenção somente pode ser a de colaborar.
32. Mas independentemente das dificuldades, que todos conhecemos, com esses temas alguns importantes avanços foram registrados, no sentido de institucionalizar aspectos essenciais da política monetária. Um desses, talvez o mais importante, foi o determinado pela lei 9.069, que modificou a composição do CMN, que deixou de funcionar com uma assembléia ampla (uma espécie de "câmara setorial da moeda") e passou a incluir apenas as autoridades (no Executivo) com funções diretamente ligadas à moeda.
33. O mesmo espírito presidiu decisões como os limites quantitativos à emissão de moeda, o processo de aprovação da programação monetária pelo Congresso, o estabelecimento da Comoc (...) e da Copom (...). Ou seja, adotando preceitos, estabelecendo mecanismos por meio dos quais ficará cada vez mais clara uma verdade muito importante do processo de estabilização, a de que as chamadas âncoras, monetária e cambial especialmente, são para sempre.
34. A idéia que a emissão de moeda deve obedecer as necessidades da economia, e não ao déficit público, e a de que o câmbio deve refletir os fundamentos do balanço de pagamentos precisam ser institucionalizadas.
35. O BC e o desenvolvimento
36. A questão passa a ser a de que se é possível e como deve ser conduzido o desenvolvimento na presença das âncoras. Será a inflação necessária, ou talvez inevitável? Pode ser o caso, quando o desenvolvimento é "liderado" pelo Estado e seu motor é o gasto público. Mas o desenvolvimento, especialmente nos próximos anos, não terá essa característica, e por dois bons motivos: (i) o Estado assumiu tarefas no plano social que exaurem sua capacidade financeira e, portanto, não existe mais a capacidade para exercer a "liderança" no processo de investimento; e (ii) se a ênfase do desenvolvimento é no social, não se pode utilizar um instrumento -a inflação- que destrói as melhorias na situação social que se quer implementar.
37. Numa quadra em que o investimento privado será a origem do crescimento, o Estado deve ordenar suas finanças para que sua necessidade de financiar seu déficit não avance sobre a poupança nacional e exclua o setor privado, ao pressionar as taxas de juros e deteriorar as condições para o setor privado investir. O BC não fabricará dinheiro para deprimir os juros quando o Estado os pressiona para cima, tomando dinheiro emprestado (o Estado aí são as três esferas de governo e empresas estatais), pois assim estaríamos indiretamente, e hipocritamente, financiando o déficit público com emissão de moeda. A taxa de juros, como em qualquer lugar do mundo onde impera a estabilidade, encontra limites na política fiscal. Se o Estado quer viver além de seus próprios meios, vai se endividar, tributar as gerações futuras com essa dívida e extrair os recursos que gasta hoje do setor privado.
38. Na construção de um complexo de circunstâncias que melhore fundamentalmente as condições do investimento para o setor privado, e ciente das dificuldades que existem no plano fiscal, a contribuição fundamental que o BC pode dar tem que ver com a construção de um amplo e sadio mercado de capitais. Em qualquer lugar do mundo, é daí que fluem os recursos para investimentos, e não de empréstimos bancários.
39. Temos um mercado de capitais potencialmente rico, profundo e com amplas condições de fornecer os financiamentos necessários para os investimentos. Em qualquer economia capitalista, é daí que vêm os recursos para investimentos: lançamentos de ações, debêntures, bônus.
40. Os investidores institucionais no Brasil dispõem de imensos recursos: fundos mútuos comandam recursos da ordem de R$ 140 bilhões, fundos de pensão uns R$ 90 bilhões, outro tanto de companhias de seguro e sociedades de capitalização. Como e onde esses recursos são alocados? Qual a segurança dos cotistas sobre a natureza desses investimentos? Em que medida a relação estreita entre fundos mútuos e instituições financeiras que os administram não resulta prejudicial aos cotistas?
41. Essas perguntas trazem, todas elas, temas de interesse do BC. Temos muito a contribuir para isso em um trabalho conjunto com outros órgãos de governo, como CVM, SPC, Susep. É fundamental a coordenação e a integração desses órgãos para esse fim.
42. A formação desse mercado é que permitirá o alongamento da dívida interna. Já colocamos papéis de 30 anos nos mercados internacionais. Por que a dívida interna ainda tem um prazo médio inferior a um ano? Temos que estender nossos horizontes.
43. Esse processo de alongamento tem tudo a ver com a formação e amadurecimento de nosso mercado de capitais. Aí reside um dos limites potenciais ao crescimento -a disponibilidade de poupança- que desde já precisamos cuidar de remover.
44. BC e seus problemas
45. Para tarefas dessa magnitude, o BC precisa ser, aliás, continuar a ser, uma ilha de excelência. Uma das melhores e mais bem formadas, competentes e disciplinadas burocracias dentro do Estado. Há quatro anos trabalho nesta casa, e aqui vim a conhecer e trabalhar com alguns dos melhores quadros técnicos desta nação.
46. Isso não quer dizer que não se possam cometer erros. Esta é uma instituição formada de gente. Alguns dos mais competentes e abnegados servidores públicos que existem. Mas gente. O que os distingue de outros não é não errar, mas não cometer o mesmo erro duas vezes. Aí reside a vitalidade desta instituição, sua capacidade de se renovar a fim de enfrentar novos desafios.
47. Como é do conhecimento de todos, o BC esteve na linha de frente de quase todas as batalhas cruciais do Plano Real. As âncoras monetária e cambial. Os compulsórios e o controle do crédito. A gestão das reservas e a captação externa. O controle do endividamento público. O ajuste do sistema bancário. A possibilidade de uma crise bancária.
48. E teve de enfrentar todas essas batalhas em condições bastante adversas. Como se sabe, uma decisão judicial resultou em provocar a aposentadoria de cerca de 1.300 funcionários (num quadro de cerca de 6.000). Embora se pudesse dizer que o BC tivesse algum excesso de quadros, jamais seria nessa magnitude e jamais com essa composição. O BC perdeu cerca de 60% de seus funcionários nas três últimas referências da carreira (chefe de departamento, consultor especial e chefe de divisão). E foi assim que tivemos de lidar com todos os desafios.
49. Mesmo nessas condições foram introduzidas -no domínio da supervisão bancária- iniciativas como as regras da Basiléia, a central de risco, a auditoria de sistemas, a cooperação com outras autoridades de supervisão bancária no exterior, a fiscalização ``in loco" de agências no exterior, treinamento de novos fiscalizadores recrutados em outras áreas do BC, um concurso para ampliar ainda mais esses quadros, bem como novos métodos, resultando em uma supervisão bancária menos "normativa" e mais "analítica".
50. Ademais, para lidar com uma crise em potencial -de consequências imprevisíveis e assustadoras (exemplo: Venezuela)-, criou-se um instrumento para crises: o Proer. Um programa que permitiu que cerca de 5 milhões de correntistas, titulares de cerca de R$ 22 bilhões em depósitos (à vista, CDBs, poupança, fundos) não perdessem esses recursos. Evitou uma crise, que para esses 5 milhões de brasileiros teria sido um confisco, sem prejuízo da responsabilidade penal daqueles que provocaram essa situação, assunto que a Justiça certamente definirá.
51. Conforme observei em minha arguição no Senado, o Proer é instrumento próprio para crises. Não precisamos mais dele. Em seu lugar outros mecanismos devem existir, mecanismos para tempos mais normais, que estudaremos com toda a calma. Já se encontra estabelecido, por outro lado, o Proes, destinado a "reduzir a presença do setor público estadual na indústria bancária". Processo complexo, não apenas bancário, que tem que ver com um quadro mais amplo de reordenamento financeiro e fiscal dos Estados da Federação. Trabalho conduzido, em seus aspectos mais gerais, no MF, sob a sábia coordenação dos companheiros PPP e JRMB e coadjuvado, no BC, pelo nosso diretor Paolo Zaghen.
52. Soluções vêm sendo costuradas com paciência, habilidade e determinação. O maior de todos os bancos estaduais, o Banespa, será privatizado em breve, e dois entre os cinco maiores -o Credireal e o Banerj- já foram privatizados, sendo este último, o Banerj, o que inaugurou esse movimento...
53. ... graças ao tirocínio e à persistência do governador de meu Estado, dr. Marcello Alencar, e de sua equipe, a quem eu presto, de público, a minha homenagem.
54. Muitos outros governadores têm seguido esse exemplo: SP e Minas já têm suas soluções encaminhadas. Não se pode deixar de citar os exemplos de outros Estados como Acre, Bahia, Mato Grosso, Pernambuco, RS, Rondônia e Roraima, que já assinaram protocolo com a União. Vários outros já estão com seus acordos em fase final de elaboração.
55. O processo de privatização de bancos, com a consequente retirada dos governos estaduais da atividade financeira, combina-se com programas de ajuste fiscal, para permitir aos Estados uma melhoria na alocação de recursos de seus Orçamentos, destinando-os para áreas próprias de ação governamental.
56. No que se refere ao controle de endividamento das unidades federativas, recentes discussões no âmbito da sociedade brasileira demonstram a necessidade de seu melhor acompanhamento. É nosso propósito promover as mudanças nos procedimentos internos, de forma a obter o domínio das informações necessárias para a análise mais precisa dos pleitos de endividamento por parte dos Estados e municípios. Dessa maneira, poderemos subsidiar com maior efetividade o Senado Federal, a quem cabe decidir sobre a matéria.
57. A experiência recente nos leva, da mesma forma, a oferecer ao Congresso nossa colaboração e apoio para nova regulamentação.
58. Visibilidade
59. Trabalho de cuidar da moeda compreende as política macroeconômicas, processos já mencionados, mas as funções do BC também compreendem um trabalho de monitoramento, de natureza microeconômica das transações financeiras, bancárias e cambiais. O BC tem um papel único nos sistemas de pagamentos nos mercados financeiros, informações preciosas sobre quem paga, o que, como e a quem.
60. Esta instituição vê muitas coisas, e tem se organizado para ver cada vez mais.
61. Nos preocupa o fato de não utilizarmos plenamente essa informação para o combate ao crime. Muitos tipos diferentes de crimes produzem pagamentos, mas todos têm em comum o processo de lavagem do dinheiro. A ocultação da origem ilícita é fundamental para que o bandido possa dispor dos recursos que roubou. Para isso, precisa se engajar em transações em que a identificação das partes é perdida. A isso se chama lavagem. Isso se faz por meio de transações em espécie, de transações em mercado, transações cambiais e mediante o uso de figuras como o "laranja", o doleiro.
62. Combate-se a lavagem aumentando-se a visibilidade das transações financeiras, mas, para que a observação tenha consequência, novos instrumentos são necessários. É fundamental que a lei defina a lavagem de dinheiro como um crime autônomo, e não como é hoje, como uma parte de um outro crime que nem sempre está caracterizado. Esse é exatamente o espírito do projeto de lei (nº 2.688/96), que o Executivo encaminhou em 24/12/96 e que ora se encontra na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
63. Aqui no BC há grande ansiedade quanto aos destinos desse projeto, que abre imensas possibilidades para nós e bases novas para a colaboração com outros órgãos do Executivo, mas especialmente com o Judiciário e o MPU, com o qual celebramos um convênio que gostaria de enriquecer em muitas direções.
64. Será fundamental, também, um trabalho no plano internacional. No âmbito do Mercosul, será preciso homogeneizar as regras no tocante à supervisão bancária e à visibilidade de transações possivelmente ligadas à lavagem de dinheiro, normalmente envolvendo paraísos fiscais. Tenho absoluta certeza de que encontraremos em nossos parceiros do Mercosul toda a boa vontade para a discussão desses temas.
65. Conclusões
66. Senhores: há, portanto, uma agenda muito carregada, que em minha arguição no Senado dividi em cinco partes que gostaria de resumir, cada uma, em uma palavra: (i) consistência; (ii) credibilidade; (iii) horizontes largos; (iv) profissionalismo; (v) visibilidade.
67. Consistência quer dizer apego aos fundamentos do Plano Real, a execução continuada de políticas cujos efeitos são sentidos ao longo do tempo. Trata-se aí de paciência, perseverança, coerência.
68. Credibilidade quer dizer conquistar a confiança da sociedade por meio de ações. Consiste especificamente, no que tange ao BC, em fazer com que o país se orgulhe do seu BC e que esteja satisfeito com o trabalho que se faz nesta casa.
69. "Horizontes largos" quer dizer que devemos desafiar o ``curtoprazismo" que ainda existe em nosso olhar sobre o futuro; quer dizer alongar dívidas, quer dizer ações que preparem um futuro melhor para o país. Para nós, aqui no BC, isso quer dizer um trabalho no sentido de elevar e alongar a poupança financeira.
70. Profissionalismo é um mandamento de quem administra -isso não falta nesta casa. É preciso que isso se observe também no sistema financeiro e também no âmbito dos investidores institucionais, na indústria de fundos, cujo papel se tornará cada vez maior para o nosso desenvolvimento.
71. E, por último, visibilidade quer dizer a capacidade de as autoridades enxergarem o funcionamento do sistema financeiro, não só para antecipar problemas e identificar novos caminhos na esfera regulatória, mas também para ajudar a combater o crime.
72. São desafios colossais, mas que me sinto em condições de enfrentar porque me vejo na companhia de amigos e de técnicos da maior competência, todos empenhados nesse maravilhoso processo de transformação do país conduzido pelo PR.
73. Esses desafios são de todos nós, de cada um de nós nesta casa.
74. Temos muito que trabalhar.

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