São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 1997 |
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O debate (torto) sobre abusos da imprensa
ALOYSIO BIONDI O jornalismo econômico está desmoralizado? Está. Pesquisa realizada pela Grottera Comunicação e divulgada pela revista "Imprensa" em sua edição de maio último traz dados reveladores:* Jornalismo chapa-branca - a esmagadora maioria da população considera a imprensa econômica "fortemente engajada" com as posições do governo. Liderança no adesivo: jornais da TV, com 71%, seguidos por revistas, com 65%, e jornais, com pouco mais de 60%. * Jornalismo manipulador - para o público, a imprensa vem sendo "manipuladora de opinião". Mais uma vez, o jornalismo de televisão aparece na dianteira, com (fantásticos) 78%, mas os jornais não ficam muito atrás, com 72%; as revistas têm 70%. * Jornalismo de interesses - finalmente, a maioria da população vê a imprensa mais "a serviço (sic) de interesses de grupos privilegiados do que do povo". Aqui, o jornalismo da TV empata com as revistas, com 75%, e os jornais vêm perto, com pouco mais de 70%. Neste momento, há um grande debate no país sobre os "abusos" da imprensa. Fala-se em criar organismos ligados às entidades sindicais para fiscalizar o comportamento ético dos jornalistas. Tudo digno de aplauso. Mas o debate já nasce com uma profunda distorção: ele está concentrado em apenas um lado da moeda. Criticam-se a irresponsabilidade da imprensa e o sensacionalismo em casos como o acidente com a TAM ou a famosa Escola Base. Defende-se a necessidade de combater a "arte de esquentar a notícia" de forma irresponsável. Ora, e a "arte de esfriar a notícia" não é um comportamento aético, de traição ao público e traição aos interesses da sociedade? Insiste-se em dizer que o jornalismo brasileiro está sendo desmoralizado por causa da "irresponsabilidade". Será esse o único pecado ou o pecado maior é a tentativa de encobrir determinadas realidades? A resposta está na pesquisa da Grottera Comunicação. A imprensa está desmoralizada, sim, mas porque seu comportamento em relação ao governo FHC e seu modelo econômico (???) é percebido pelo público. Por que, então, esse outro lado da moeda está sendo ignorado no debate? Manipulação A população (mais de 70%) já percebeu que a informação está sendo manipulada -mesmo que o leitor comum e o telespectador comum não saibam identificar com precisão as técnicas utilizadas para isso. Em síntese, pode-se dizer que os meios de comunicação inverteram deliberadamente as regras que sempre valeram para informar corretamente. Isto é: os acontecimentos ou fatos que merecem destaque vão para as manchetes e têm "chamadas" na primeira página do jornal ou capas dos cadernos específicos (economia, política, artes etc). Da mesma forma -o que sempre foi óbvio-, cada reportagem deve "começar", em seu primeiro parágrafo, com o fato "essencial" -sobre o qual, evidentemente, o título ou manchete se inspirarão. A inversão No Brasil de FHC passou a haver uma regra de ouro: leia sempre as últimas linhas das notícias ou reportagens. Não é piada, não é ironia. É verdade, sim: na esmagadora maioria das notícias e análises sobre a situação da economia, quando os dados são negativos, eles são jogados no "pé", as últimas linhas da matéria. O começo da matéria -e, consequentemente, os títulos- procura um aspecto positivo qualquer, para esconder o todo (em resumo, escolhe-se um "bife" sadio para chamar a atenção e se esconde o "boi" doente). A lavagem A sociedade já percebeu, conforme a pesquisa da Grottera, que tem sido submetida a um processo de lavagem cerebral, no governo FHC, por um jornalismo "engajado", "manipulador" e a "serviço de interesses que não os do povo". Realmente, a técnica adotada visa deixar, na cabeça e na memória dos cidadãos, apenas fatos favoráveis, impedindo a sociedade de formar uma opinião correta sobre todo e qualquer problema. Essa manipulação explica a falta de reação da sociedade diante de descalabros cometidos na área econômica. A sociedade sabe que está sendo manipulada, mas não sabe como reagir. Texto Anterior: Desnacionalização da economia Próximo Texto: Déficit comercial dos EUA cai 14,5% Índice |
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