São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Técnico do BC vira 'dublê de tudo' na Bahia

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

"Aqui, meu senhor, tudo agora é do Banco Central: burro, cavalo, homem, mulher, menino doente e cachorro magro."
Repetida de forma bem-humorada por habitantes da fazenda e usina Nova Aliança, em Amélia Rodrigues (a 80 km de Salvador), a chacota resume a situação de uma antiga propriedade do grupo do Banco Econômico, considerado "podre" pelo BC em 1995.
É uma mostra das novas preocupações de técnicos que, além de gerenciar o sistema financeiro nacional, agora precisam administrar desde as caldeiras da usina de açúcar e álcool ao pasto para alimentar equinos.
A usina e fazenda Nova Aliança é apenas uma das quase mil atribuições da equipe de 150 funcionários do Banco Central responsável pela intervenção no Econômico.
Como liquidantes, cabe aos técnicos zelar pelas empresas e negócios do grupo do banqueiro falido Ângelo Calmon de Sá.
O objetivo final é leiloar esses bens, para tentar recuperar o prejuízo de R$ 5 bilhões provocado pela quebra do banco.
'Dublês'
Nessa missão, os funcionários responsáveis pela intervenção fazem de tudo. São "dublês" de usineiros, fazendeiros que enfrentam trabalhadores sem terra, donos de frigoríficos e até vigilantes da memória do próprio Calmon de Sá.
Entre as múltiplas atribuições, uma, em especial, chama a atenção: o grupo Econômico deixou, no universo da sua vasta herança, um museu no Pelourinho (leia texto ao lado).
Os 780 imóveis do grupo também deixam os técnicos do BC em um duplo papel de cobradores e síndicos.
A maioria, composta por casas e apartamentos, está localizada em Salvador e cidades vizinhas. Um técnico do BC há 11 anos, que prefere não se identificar, conta que nunca se imaginou no papel de cobrador de aluguel.
O pior, segundo ele, é que, depois da intervenção, a maioria dos sócios da chamada "Imobiliária Calmon de Sá" resolveu simplesmente não pagar o aluguel.
Isso ocorreu por causa de um raciocínio simples, segundo técnicos: como passaram ao Banco Central, os moradores acham que habitam em espaços públicos. No mínimo, apostam na lentidão burocrática para não pagar aluguel.
E a venda destes imóveis, para recuperar o prejuízo, é mesmo complicada. Dependem de uma série de pendências, pois a maioria já foi tomada pelo antigo Banco Econômico como garantia por empréstimos de clientes.
Os funcionários responsáveis por esse "abacaxi" demonstram um sofrimento ao narrar a história da "Imobiliária Calmon de Sá".
Carnes e ações
Enquanto as 13 fazendas do grupo Econômico dão trabalho ao Banco Central, o frigorífico Conef, no centro de indústrias de Aratu (na região da Grande Salvador) já tem o seu leilão de vendas marcado para o próximo mês, segundo a equipe de liquidantes comandada por Flávio Cunha.
Também devem ser vendidas, a curto prazo, as ações da Conepar, a holding do grupo Econômico que controla ações em várias empresas no setor de petróleo.
As terras podem servir à reforma agrária. Apenas uma das fazendas, no entanto, foi anunciada oficialmente como desapropriada pelo ministro Raul Jungmann (Política Fundiária).
Invadida por cerca de 500 famílias, a fazenda Beira Rio, em Boa Vista do Tupim (a 350 km de Salvador) recebeu o rótulo de "desapropriada" de Jungmann, no início deste ano.

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