São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Mais nervosismo no câmbio

CELSO PINTO

O mercado de câmbio sexta-feira ficou "muito, muito, muito nervoso", na descrição de um executivo financeiro que administra mais de US$ 3 bilhões. Ele não percebia tanto nervosismo desde a confusão cambial de março de 95, quando o governo mudou o regime cambial e perdeu US$ 7 bilhões de reservas numa semana.
Pode ser exagero, mas o fato é que os episódios de agitação no câmbio têm sido recorrentes, e os ânimos tendem a ficar mais exaltados quanto mais se aproxima o ano eleitoral. Também é verdade, contudo, que não há sintomas de uma escalada especulativa.
Um dos fatores que turbinou o nervosismo de sexta-feira foi a advertência pública do diretor-gerente do FMI, Michel Candessus, quando comentava a crise monetária asiática, de que o Brasil precisa reduzir seu déficit externo. O mercado também anda meio desconfiado da ênfase com que o Banco Central passou a declarar-se "pragmático e flexível" em relação à política cambial.
O nervosismo é mais significativo por acontecer num momento em que o BC comemora reservas cambiais recordes de US$ 64 bilhões, e os números da balança comercial de agosto têm sido melhores do que o esperado. A despeito de tudo isso, o mercado futuro de dólar deu um salto sexta-feira, e o BC foi obrigado a fazer um leilão, o primeiro em quase três meses.
Sintoma do desconforto é o salto no volume de dólares negociados na bolsa de futuros. Nas duas posições mais próximas, que concentram a maior parte dos negócios, o valor chega perto de US$ 19 bilhões. É uma mistura de empresas e bancos que querem cobrir posições, para evitar o risco de sofrerem uma perda caso haja um reajuste cambial mais forte, e de especuladores.
Ainda assim, nem o mercado está sinalizando claramente uma crise, nem o BC usou todas as suas armas.
Na visão de um experiente banqueiro, o roteiro de uma crise teria que somar várias más notícias. Como existem algumas restrições na movimentação cambial, se houver uma expectativa muito forte de desvalorização, ela tenderá a afetar fortemente as bolsas de valores.
O estoque de investimentos externos nas bolsas está perto de US$ 40 bilhões, enquanto os fundos de renda fixa somam cerca de US$ 5 bilhões, além de outros US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões em antigas posições de renda fixa. Um pânico real com o câmbio levará os investidores a vender posições nas bolsas, pelo temor de uma perda de capital. Uma sequência de muitos dias de quedas acentuadas e autônomas, ou seja, não relacionadas ao movimento da bolsa de Nova York, pode ser um sinal de alerta.
Outro movimento que ocorreria, diz este banqueiro, seria a venda de papéis da dívida externa brasileira, especialmente do "C-Bond". Se o mercado de fato apostar numa máxi, venderá estes títulos na expectativa de recomprá-los mais baratos depois.
O BC teria que entrar com mais frequência no mercado vendendo dólares para quem quisesse sair do país e isso afetaria as reservas. Uma queda mais expressiva nas reservas alimentaria o nervosismo geral.
Nada disso está acontecendo no momento. Além de reservas recordes, o BC pode inundar o mercado de papéis com correção cambial, se sentir que muita gente quer proteger suas posições em dólares. Pode também deixar o juro subir mais, mesmo sem mexer na taxa básica, tornando mais caro o custo de especular. O governo pode, ainda, emitir sinais mais fortes de contenção do ritmo de atividade ou, diretamente, das importações -nos dois casos, para melhorar a expectativa em relação à balança comercial.
Em suma, não se trata do início de uma escalada especulativa, mas de mais um surto. Os nervos, de todo modo, tendem a continuar à flor da pele.
Os "mouras"
O pedágio que o Banco Central passou a cobrar dos bancos estrangeiros que querem entrar no Brasil veio para ficar. Prova disso é que ele já tem uma unidade de conta própria: "mouras".
Chamar a moeda do pedágio de "moura" foi uma homenagem que o Secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, fez ao diretor demissionário do BC, Alkimar Moura. Um "moura" vale US$ 5 milhões. Para comprar o Noroeste, o Santander terá que pagar cinco "mouras".

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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