São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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"Meu filho só ouve o que quer"

LAVÍNIA FÁVERO

Falta de atenção pode ser sinal de desordem no processamento auditivo
Seu filho vai mal na escola. A professora diz que ele é desatento, inquieto, agitado, esquecido, confuso e, além de tudo, não sabe se expressar. Antes de o repreender, verifique se a criança não é portadora de uma desordem no processamento auditivo central.
Desde o momento em que são captados até quando são reconhecidos, os sons passam por uma série de estruturas para serem conduzidos e analisados.
O ouvido recolhe as ondas sonoras e as transforma em impulsos nervosos. Esses impulsos caminham pelos nervos até atingirem o sistema nervoso central.
É aí, no córtex cerebral, que o som, transformado em impulso nervoso, é analisado e interpretado. Por meio de um processo complexo e delicado (veja quadro), podemos pensar na figura de um camelo ao ouvir alguém dizer a palavra "camelo", ou levantar o telefone do gancho quando o ouvimos tocar.
Até o córtex, os sons passam por diversas estruturas que os selecionam. Alguns sons chegam ao córtex, outros são. Essa capacidade é chamada de atenção: desprezar alguns estímulos sonoros e priorizar outros. Por exemplo, ouvir a voz da professora em vez de prestar atenção nos colegas que conversam ao lado.
Algumas crianças, porém, não conseguem selecionar o que ouvem e acabam prestando igual atenção a sons de diferente importância. Elas ouvem bem, mas não conseguem interpretar o que ouvem de maneira correta.
"Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor para a criança", diz Luiz Celso Vilanova, chefe do setor de Neurologia Infantil da Universidade Federal de São Paulo.
É frequente mães e professoras confundirem as dificuldades da criança com inaptidão. "Nesses casos, quem sofre é a criança, já que a mãe a acusa de ser pior que as outras, prejudicando sua auto-estima", diz Vilanova.
Entendendo os sinais
Para que isso não aconteça, é preciso ficar atento aos sinais que indicam a desordem. Além dos já citados, as mães devem desconfiar quando seus filhos tiverem dificuldade de repetir palavras ou contar uma história seguindo uma história seguindo a sequência do tempo.
Crianças que não conseguem ouvir ou prestar atenção em ambientes muito ruidosos, não entendem palavras com duplo sentido, não conseguem escrever bem o que lêem ou assistem à televisão em volume muito alto devem ser examinadas. Bebês que tiveram muitas otites (inflamações no ouvido) durante os primeiros anos de vida também são sérios candidatos a desenvolver desordens do processamento auditivo.
Na sala de aula, as professoras devem avisar aos pais quando notarem que uma das crianças precisa de um tempo maior para responder o que se pergunta ou crianças que falam muito rápido. Os pais de crianças que têm letra "feia" ou trocam letras ao escrever por um tempo maior do que o normal no aprendizado também devem ser avisados.
"É comum as mães se queixarem de que o filho só ouve quando quer. Isso, mais do que falta de educação, é um sinal importante de que ela não consegue entender o que se fala em algumas situações", explica a fonoaudióloga Liliane Desgualdo Pereira, professora da disciplina de Distúrbios da Audição na Universidade Federal de São Paulo.
Se for feita uma audiometria (exame para verificar o quanto a criança escuta) e o resultado for normal, é preciso fazer um exame para verificar como está o seu processamento auditivo. Isso significa que a criança ouve bem, mas a audição como um todo está funcionando mal: ela usa mal a função auditiva em termos de linguagem, que é a grande especialização da função auditiva humana.
"É mais comum notar o problema na fase de alfabetização, quando a criança vai à escola aprender a ler", diz a fonoaudióloga Ingrid Gielow. "Quando isso não acontece, a desordem é detectada na terceira ou quarta série, quando ela precisa ler e escrever para aprender", conta Ingrid.
Contornando o problema
Detectado o problema, é necessário o acompanhamento de uma fonoaudióloga, para treinar a criança e intrepretar corretamente o que ouve.
"A ajuda dos pais, fazendo exercícios em casa é fundamental", explica Ingrid. "Não se trata de transformar os pais em fonoaudiólogos. Mas, quanto mais estimulada a criança for, mais rápida será a resposta do sistema nervoso", diz a fonoaudióloga.
Na escola, deve-se orientar a professora a sentar a criança com problemas de processamento auditivo em um lugar bem na frente da turma, longe de janelas e portas. O professor deve, de preferência, falar voltado para esta criança, para que ela possa, além de escutar, ver os movimentos dos lábios de quem fala.
Em casa, os pais devem tentar reforçar o que é ensinado para a criança com atividades acompanhadas por um professor particular, pscicopedagogo ou alguém da própria família. Além disso, as crianças devem ter um ambiente bem silencioso para estudar.
Todos esses cuidados e exercícios não dispensam, contudo, o acompanhamento do fonoaudiólogo. É o profissional que vai descobrir quais os aspectos do processamento auditivo que estão comprometidos na criança e qual a maneira mais adequada de a estimular.
Apesar do nome assustador, as desordens de processamento auditivo central podem ser minimizadas com o tratamento adequado. A comerciante Gláucia Garcia Pereira, 36, conta com orgulho os progressos de sua filha Carla, 8. "As notas dela não passavam de 1 ou 2: eram uma tristeza para qualquer mãe. Hoje, a Carla continua em tratamento, mas não tem nenhuma nota abaixo de 8 e é uma das melhores da classe."

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