São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
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Especialistas querem reforma, mas divergem quanto a modelo

DA REPORTAGEM LOCAL

A divisão da responsabilidade pela segurança pública entre as Polícias Civil e Militar criou antagonismos que, muitas vezes, são apontados como a origem das deficiências do aparelho policial brasileiro.
O estabelecimento de um novo modelo, porém, está longe de encontrar consenso entre especialistas, como demonstrou debate promovido pela Folha no dia 18.
Mesmo nos pontos em que houve relativo acordo quanto aos fins, houve discordância quanto aos caminhos a adotar. A desmilitarização da polícia, por exemplo, foi defendida enfaticamente por três debatedores: o secretário da Segurança Pública de São Paulo, José Afonso da Silva, o deputado federal Hélio Bicudo (PT-SP) e o advogado e ex-secretário da Segurança Miguel Reale Jr. (governo Montoro).
Para Bicudo, a desmilitarização significa a extinção da PM. Afonso da Silva defende a unificação das funções policiais em um só corpo de natureza civil e a manutenção da PM como tropa de choque. Reale Jr. é favorável à integração operacional das duas polícias, com uma formação civil da PM.
A desmilitarização foi contestada pelos outros dois debatedores, o coronel da reserva da PM Hermes Bittencourt Cruz e o juiz de direito Luiz Flávio Gomes.
O debate foi mediado pelo advogado Luís Francisco Carvalho Filho, da equipe de articulistas da Folha.
A crítica à PM não implica apoio dos debatedores à atuação da Polícia Civil, considerada violenta e corrupta. Cruz foi voz dissonante. Segundo ele, no Estado de São Paulo, as duas polícias são "boas".
Pela Constituição, a PM é responsável pelo policiamento preventivo e ostensivo (de rua) e a PC encarregada da investigação dos crimes e da realização de inquéritos.
A retirada das atribuições das polícias da Constituição, proposta pelo ministro Iris Rezende (Justiça), dividiu os debatedores.
A transferência do julgamento de PMs da Justiça Militar para a comum teve apoio de Bicudo e de Afonso da Silva e a oposição de Cruz. Gomes defendeu o foro privilegiado apenas para crimes militares. Reale Jr. disse que a questão é complexa e não comporta respostas estanques -sim ou não.
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1 - O que significa desmilitarizar a PM na prática?
Hélio Bicudo - Eu acredito que talvez a expressão desmilitarização não seja a mais adequada. Porque, quando se fala em desmilitarização, se pensa numa Polícia Civil sem hierarquia, sem disciplina, sem comando. E não é isso o que se pretende. O que se pretende é a descaracterização da atuação militar das polícias.
A Polícia Militar, ainda que se possa dizer o contrário, nasceu com a ditadura militar, nos anos 60, foi um braço do poder ditatorial para a contenção daquilo que se chamava de subversão.
Esse modelo está esgotado. Eu não vejo na crise atual das polícias apenas a questão salarial. É uma crise muito mais profunda, organizacional, de estrutura. A história da Polícia Militar é uma história de violências. Nós estamos falando na questão salarial e estamos esquecendo da Fazenda da Juta, da favela Naval, da Cidade de Deus, de Corumbiara, de Eldorado de Carajás, do Carandiru e do mini-Carandiru de Sergipe.
Acho que a polícia não deve ser militar porque as palavras são antinômicas. Uma coisa é ser militar, treinado para a violência, e outra coisa é ser policial, treinado para dar segurança ao povo.
Miguel Reale Jr. - O problema da militarização não nasceu com o regime militar, mas se acentuou com ele. Quando era secretário da Segurança, fui à Academia do Barro Branco (escola paulista de formação de oficiais da PM) e me espantei com a carga horária dedicada à doutrina da segurança nacional e à luta contra o terrorismo. De lá para cá, houve contínua diminuição dos estudos de segurança nacional, mas ainda permanece.
Eu queria lembrar o que aconteceu na favela Naval. Vendo-se o que aconteceu na favela Naval, percebe-se que o soldado bate no homem do povo que ali está porque ele falou sem ser perguntado ou porque respondeu sem estar com as mãos para trás.
Há um processo de aquartelização e de militarização na formação.
O que precisa haver não é mudança em hierarquia e disciplina. Não é mudança nem sequer na organização militar. Não é não ter fardamento, mas é uma formação civil baseada na hierarquia e na disciplina e que esteja voltada para o policiamento urbano. A desmilitarização, na minha opinião, significa embutir na concepção do soldado que ele é povo e deve proteger o povo, não vê-lo como inimigo. Ele tem de ter uma formação civil.
Luiz Flávio Gomes - Desmilitarizar a polícia e unificar tudo numa polícia só civil apenas vai mudar o rótulo. A questão não é, do meu ponto de vista, o tema de constitucionalidade ou não, não é desmilitarizar, e sim modificar o homem. O policial precisa ter na formação direitos humanos, estudo de ética, estudo de respeito à cidadania.
Hermes Bittencourt Cruz - Essas questões estão sendo tratadas sem a devida profundidade. A Polícia Militar de São Paulo tem de militar a farda e a hierarquia. O resto não é nada militar.
O militar é preparado para a guerra, tem um inimigo que deve ser eliminado. Isso, na Polícia Militar, não existe. O que há é uma falta de conhecimento em profundidade da Polícia Militar, que é a melhor instituição do Estado, presente em todos os municípios.
José Afonso da Silva - Acho que policiamento é função de natureza civil. Na nossa proposta (de emenda constitucional que reduz atribuições da PM) nós mantemos a Polícia Militar como força de choque, de dissuasão de movimentos, mas ela não é para fazer policiamento de rua. Isso deve ser feito por policiais civis, uma força uniformizada que deve ter disciplina e hierarquia. Isso, por si, não é militar. Essa hierarquia mais rigorosa poderia existir perfeitamente na Polícia Civil ou à paisana. Não existe por uma série de razões de relaxamento, e faz falta.
Eu reconheço (que a PM) já melhorou muito. Hoje, boa parte das instruções já são mais voltadas para o policiamento. Mas o regime disciplinar é tipicamente militar. Até porque está baseado num regulamento que era o do Exército.

2 - Fundir as polícias não leva à união de seus defeitos?
Reale Jr. - Eu tenho muito receio de que a imposição de uma unificação leve à ausência absoluta de operacionalidade da polícia.
Não é porque se unificou na lei ou na Constituição que o capitão vai dar ordem para o delegado de quinta classe. Não é porque se unificou que o delegado de primeira classe vai dar ordem para o tenente ou para o capitão. Ou seja, o conflito vai se instalar de forma ainda mais veemente dentro da própria instituição que forçosamente se pretende unificar.
Eu acho que deve ocorrer uma unificação operacional, antes de tudo. São instituições que têm finalidades diferentes, que têm culturas diferentes, que podem ser modificadas, podem ser alteradas, mas têm culturas diferentes, têm idiossincrasias, têm ódios, têm raivas incrustadas ao longo do tempo. Acho que a unidade tem de ser, antes de tudo, uma unidade operacional.
Há necessidade, hoje em dia, de uma unificação de informação criminal, de informatização, de comunicação.
Também há necessidade de que haja decisões de um conselho de polícia, presidido pelo secretário de Segurança, com a presença das altas cúpulas das duas polícias para tomar decisões sobre a execução de ações de polícia naquele mês, naquela semana.
É necessária uma formação conjunta, cursos conjuntos, seja de direitos humanos, seja de direito em geral, seja de gerenciamento administrativo de controles. Coloque (o policial) no mesmo banco de escola, e não no mesmo banco de réus, que você vai unificar as duas polícias. Eu tenho muito medo da unificação que é feita de cima para baixo. O que uma tem de ruim e o que a outra tem de ruim vai transitar com muita facilidade.
Cruz - Eu acho difícil a unificação por dois motivos: o delegado de polícia nunca vai abrir mão da competência sobre o inquérito, e um oficial da Polícia Militar não se submete à autoridade de um delegado de polícia. Isso é incompatível. Então, nós esbarramos nessas duas preliminares.
O que é necessário fazer? A unidade operacional como colocou o dr. Reale Jr.
Gomes - É absolutamente impossível unificar água e óleo. São duas polícias que têm uma história de anos e anos. É absolutamente irreversível essa dualidade.
Por outro lado, estou plenamente de acordo em que não é com palavras como desconstitucionalização, descentralização e desmilitarização que se resolve o problema da polícia. O problema não é legal, não é jurídico. É comportamental.
Unir, aproximar as duas polícias, sobretudo na sua educação comum, conjunta, educar ambas dentro de uma linha de um Estado de Direito. A polícia tem de ser a expressão do Estado constitucional democrático que está na Constituição. É essa a cara que a polícia tem de ter: respeito aos direitos fundamentais.
Bicudo - Eu discordo do ponto de vista segundo o qual o problema é apenas comportamental. Ele é, sobretudo, legal.
Se não se mexer na Constituição para que se desvincule a polícia do Exército e se desvincule de uma maneira total, nós não teremos uma polícia com a qual nós possamos trabalhar no sentido da integração. Se não desamarrarmos legalmente, nós não vamos fazer nenhuma integração. Nenhuma integração porque, a cada passo, vamos encontrar dificuldades.
Afonso da Silva - Eu sempre pensei que o direito fosse comportamental e, portanto, ditasse regras de comportamento. Se não desamarrar legislativamente é muito difícil mudar comportamentos.
A nossa proposta mantém a Polícia Militar. Eu acho que ela tem, pela tradição, um papel importante a exercer até como polícia de choque.

3 - A segurança pública deve sair da Constituição?
Bicudo - O ministro Iris Rezende trouxe a lume um projeto, que aliás não é dele, que é o da desconstitucionalização da segurança pública. A Constituição de 88, que é magnífica sob certos aspectos, no que diz respeito à segurança pública adotou a Ideologia da Segurança Nacional e cristalizou essa ideologia.
A desconstitucionalização visa o quê? Visa dar o conceito do que seja segurança pública e, por meio de princípios gerais, nortear a organização pelos Estados das suas próprias polícias.
Por exemplo, quando o professor José Afonso da Silva propõe que a Polícia Civil passe a fazer o policiamento ostensivo, está propondo uma reforma constitucional, porque está no artigo 144 que é monopólio das Polícias Militares o exercício das funções de polícia ostensiva. Se não tocarmos na Constituição, naquilo que é fundamental para a criação de condições para a unificação da atividade policial, nunca vamos chegar a essas conclusões. Sou plenamente favorável à tese da desconstitucionalização.
Gomes - Não creio que a desconstitucionalização seja tão relevante, porque a Constituição, no artigo 144, parágrafo 7º, deixou a porta aberta para se criar uma lei nacional que estabeleça uma política nacional de segurança pública.
Concordo com o governo na proposta -eu não diria do governo, pelo menos da Secretaria de Direitos Humanos- de criação de uma Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Um órgão nacional tem de ter o controle das polícias, principalmente se se desvincular a Polícia Militar do Exército.
Autonomia dos Estados significa exatamente que cada qual vai poder gerir a sua polícia, mas é um risco enorme se cada governador puder gerir a sua polícia do modo como bem entender. É preciso um órgão nacional que tenha supervisão sobre essas polícias. Deixá-las só nas mãos dos governadores é muito perigoso.
Cruz - Sou contra a desconstitucionalização. Do que eu ouvi das demais propostas do governo, três coisas ressaltaram: a questão da extinção ou da redução da competência da Polícia Militar, a questão da Justiça Militar e a questão da moradia e de seguro de vida para policiais militares. Isso foi o que mais ficou evidente nas propostas.
Com relação à extinção da Justiça Militar, acho que os legisladores deveriam pensar em aperfeiçoá-la. A questão de moradia é justa, porque os policiais hoje moram à beira das favelas ou nas próprias favelas. E, com relação ao seguro de vida, louve-se o governo de São Paulo, que já tem esse seguro de vida.
Afonso da Silva - O dr. Luiz Flávio Gomes insiste muito na regulamentação, que seria suficiente. Essa é a tese da Polícia Militar. A tese diz que mexer na Constituição não teria cabimento porque ela não foi aplicada ainda nessa matéria porque não foi regulamentada.
Ora, ela está aplicada nessa matéria. Ela constitucionalizou todo o sistema legal que vinha do regime militar. As propostas do secretário (José Gregori) não mudam nada. É um modo de mudar para deixar tudo como está.
Com a desconstitucionalização, que é a proposta do ministro, nós já concordamos, até porque achamos que ela não prejudica a nossa proposta. Olha, (a segurança pública) nunca foi constitucionalizada. A única coisa que era constitucionalizada desde 34 era realmente a Polícia Militar. E foi constitucionalizada em 34. Por quê? Exatamente para que os governadores não fizessem dela os instrumentos que quisessem e, aí sim, criou-se aquela vinculação com o Exército.
A manutenção na Constituição de princípios fundamentais da segurança pública permitirá a cada Estado criar o órgão que quiser. Se quiser manter a Polícia Militar e a Polícia Civil, que mantenha. Se quiser criar uma terceira polícia, que crie. Não tem problema.
Reale Jr. - Há uma grande ilusão em imaginar que a desconstitucionalização, ou seja, a eliminação da indicação das competências de cada um dos órgãos policiais, resolveria por si só o problema. Outra grande ilusão é imaginar que existem essas instituições porque a Constituição determina.
Na verdade, elas existem há mais de século e meio, e bem lembrou José Afonso da Silva que não havia uma disciplina constitucional, e, no entanto, as competências, as atribuições estavam absolutamente claras nas instituições de Polícia Militar e Polícia Civil.
Portanto, não é a desconstitucionalização que vai resolver. Você retira isso da Constituição e vão continuar a existir essas instituições. O que ocorrerá, sem dúvida, é uma guerra entre as duas instituições em nível estadual para que haja alterações nas Constituições estaduais.
Agora, há um problema que é importante na proposta da Secretaria de Direitos Humanos, que é o problema de se fixar uma política nacional de segurança pública.
No momento em que houvesse eventualmente essa desconstitucionalização e que houvesse instituições policiais díspares pelo país, nós não teríamos possibilidade de estabelecer uma política de segurança nacional.
É fundamental que existam instituições que estejam mais ou menos semelhantes para que a conversa se estabeleça. Portanto, não vejo realmente grande proveito na desconstitucionalização. Vejo grande proveito na fixação de uma política nacional de segurança pública. Isso sim.

4 - A Polícia Civil também deve ser reformada?
Gomes - Ela tem suas deficiências tanto quanto a Polícia Militar, porque a preparação também do policial civil não é uma preparação talvez adequada. Não se pode dizer que nós temos uma Polícia Civil isenta de críticas. Ao contrário.
Creio que a reforma é global, não só na Polícia Militar, mas também na Polícia Civil. A produção da Polícia Civil é baixa, baixíssima.
Nós não dispomos de estatísticas sobre isso. A única que existe é a de um professor de Economia da USP (José Pastore), em estudo feito em 86, desatualizado.
O resultado desse estudo indica que nós temos hoje a punição de menos de 1% dos delitos.
Significa que 99% estão na impunidade. Logo, não se pode dizer que a Polícia Civil tenha um trabalho exemplar, mas tampouco se pode dizer que a Polícia Civil tenha condições de fazer algo melhor com o que tem hoje. É muito difícil, seja em termos quantitativos seja em termos qualitativos.
Não tem estrutura, não tem geralmente viaturas, não tem disponibilidade financeira muito grande e, em consequência, tampouco tem uma performance apreciável.
Cruz - O Estado de São Paulo é o único que tem duas boas polícias. Quando se fala da Polícia Civil nós temos de lembrar que ela está sobrecarregada hoje nos distritos, tratando de carceragem de presos, o que lhe deixa pouco tempo, talvez, para o exercício das suas funções primordiais.
Por isso, falar da Polícia Civil seria desconsiderar esse fato, que é extremamente grave.
Bicudo - Acho que quando se fala na unificação, evidentemente, que se fala sobre a Polícia Militar e sobre a Polícia Civil. A crítica que se faz à Polícia Militar cabe também à Polícia Civil, principalmente a crítica do ponto de vista da violência.
A violência existe na Polícia Militar e existe na Polícia Civil e em grau que, muitas vezes, nós não suspeitamos porque uma atua na rua e a outra atua dentro das delegacias. Eu me nego a concordar com a afirmação de que a crise da polícia no Brasil decorre do fator salarial.
Eu acho que é um sintoma da crise e é por isso que eu advogo a carreira única. Por que nós temos de ter um soldado que não passa de sargento e um policial que não passa de investigador?
Eu acho que se você unifica a polícia do ponto de vista civil, você acaba com as barreiras que hoje existem, que dividem a oficialidade e a tropa e que dividem o delegado de polícia e a tiragem.
O problema da polícia é o problema da violência e da falta de estrutura para fazer uma política, executar uma política de segurança pública. Não adianta ter uma política se aqueles que são os agentes dessa execução não sabem o que é segurança pública.
Reale Jr. - Da mesma forma como a população tem receio da Polícia Militar -muitas vezes tem medo de cruzar com alguém da Polícia Militar- ela tem receio também de ir a uma delegacia de polícia.
É comum as pessoas vangloriarem-se: eu nunca entrei numa delegacia e tenho receio de ser testemunha numa delegacia de polícia. A Polícia Civil também não atende a população, ou seja, o administrado também não recebe da Polícia Civil um tratamento condigno. E a Polícia Civil, diga-se, é a porta à qual recorre especialmente a população pobre.
A única autoridade conhecida na região pobre é a delegacia de polícia. Só que o delegado de polícia está envolto em outros tipos de problema e não tem nenhuma atenção para aquele problema social que lhe é levado e que, não atendido, se transforma em delito no dia seguinte.
Há o problema da corrupção na Polícia Civil, que é uma forma de violência muito grave, extraordinária. Muitas vezes, é uma corrupção não para que se inverta a prova, não para que se descumpra aquilo que deve ser cumprido, mas para que se cumpra aquilo que tem de ser cumprido. Paga-se para que a lei seja respeitada.
Que segurança pode ter o cidadão que vê a necessidade de dar uma propina para que a lei seja cumprida? O controle sobre a Polícia Civil por parte dos seus chefes é menor do que o controle que se tem na Polícia Militar. Sei dos esforços que a Polícia Civil tem feito, especialmente por meio da Corregedoria da Polícia, no controle dos abusos e da corrupção na Polícia Civil, mas isso não é suficiente.
Há uma resistência muito grande a que exista um controle externo da Polícia Civil pelo Ministério Público, que está previsto na Constituição. Sei também que o Ministério Público não pode ser o quarto poder como pretende, mas sem dúvida nenhuma há que ser estabelecido o controle.
Afonso da Silva - Não estou satisfeito com a Polícia Civil de jeito nenhum. Tanto que, na proposta que fiz, eu conclui pedindo ao governador que nomeasse uma comissão para propor reformas também na Polícia Civil. Não é essa Polícia Civil que está aí que a gente quer.
Há muitos problemas, como há na Polícia Militar. Na Polícia Militar, a oficialidade é muito bem preparada, porque há uma escola de formação de comandos realmente tradicional, mas os graduados não são bem preparados.
Eu acho que precisa mudar a Polícia Civil. Acho que tudo aquilo que se disse é verdadeiro.
Não é que a Polícia Civil seja corrupta. A corrupção é mais acentuada na Polícia Civil, assim como a violência é mais acentuada na Polícia Militar. Ambas as polícias são boas, têm homens da maior qualificação -a maioria-, mas há um grupo que realmente mancha de um lado e do outro.
A Polícia Civil também tem violência. Isso tudo é verdade. É verdade também que muitas vezes ela não pode exercer adequadamente as suas tarefas hoje porque está tomando conta de presos, uma situação dramática e que estamos tentando resolver.
Estamos construindo 21 penitenciárias para resolver, ou pelo menos, suavizar o problema.
Acho que também se fala muito no problema da investigação e se dá muita desculpa de que o policial não pode investigar porque ele está tomando conta de preso. Ora, na verdade, o investigador, a não ser a partir de um certo momento, com a experiência, não tem recebido instruções adequadas para ser um bom investigador. Nós acabamos de fazer um concurso para investigador. Inscreveram-se 25 mil candidatos para 1.100 vagas. Bem, estamos concluindo com 700 aprovados, porque também nós imprimimos hoje um rigor nos concursos.
É preciso formar o homem operacional, os que não são operacionais são formados: um é formado em direito, então tem condições de analisar e dirigir um inquérito. O outro é formado para o comando. Nós temos departamentos muito bons. Temos o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), que é um departamento da maior qualificação. Então, o ideal é que houvesse realmente uma instrução melhor.

5 - É possível ter uma polícia eficiente a curto prazo?
Bicudo - Eu acho que não será possível. Porque nós temos aí dois organismos que se vêm construindo há muitos e muitos anos. Para que haja uma reforma nós teremos de ter um prazo. Essa reforma não poderá cair do céu de um momento para outro. É uma reforma que tem de verificar as condições de uma e de outra polícia para fazer a transição para o ideal de uma só.
Afonso da Silva - Eu parto da idéia de que, para se ter eficiência, é preciso que haja uma unidade das funções policiais.
Como uma proposta de emenda constitucional é demorada, e isso depende de emenda constitucional, eu acho que isso ainda requer um pouco de tempo, mas já demos o primeiro passo porque a mudança está sendo discutida.
Gomes - Não creio em solução a curto prazo porque a melhoria desse serviço público de segurança implica a melhoria do policial, implica em melhorar o ser humano. Vai requerer muito tempo e, ademais, para melhorar o policial, vale dizer o ser humano, é preciso vontade política. Não sei se o governo está disposto com sinceridade a enfrentar essa matéria.
Cruz - Acredito numa polícia eficiente a curto prazo desde que haja um modelo e se estabeleçam estratégias de curto prazo, como fez a Polícia de Nova York. Lá, eles estabeleceram cinco metas: retirar as armas das ruas; quebrar o ciclo da violência doméstica; quebrar o ciclo da violência entre a juventude; combater o médio traficante; e resgatar os espaços públicos. Se se adotar essas estratégias de curto prazo, ajustadas à realidade de São Paulo, dentro de um modelo de polícia urbana que aproveite a Polícia Militar e a Polícia Civil, poderemos melhorar a segurança.
Reale Jr. - É uma pergunta difícil de ser respondida porque existem tantas polícias quanto Estados no Brasil. São condições diferentes de Estado para Estado e, se a questão básica é um problema de formação, essa formação vai ser mais exigida em Estados onde realmente não há preparo e treinamento do policial, seja militar, seja policial civil.
Outra questão é a da unidade operacional ou unidade de funções, que tem de ser iniciada imediatamente e que pode ter, sem dúvida, efeitos mais rapidamente do que se pode imaginar.
Agora, não vamos vender a ilusão de que nós vamos ter uma polícia eficiente, porque a criminalidade cresce de uma forma vertiginosa, geometricamente nos grandes centros urbanos, e a polícia cresce aritmeticamente. Nós vamos ter sempre a sensação de insegurança.

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