São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lara Resende 2, a missão

LUÍS PAULO ROSENBERG

FHC recrutou Lara Resende para assessorá-lo em projetos especiais. Se não for mais um dos intermináveis truques visando somente à reeleição, a idéia não poderia ser mais oportuna.
Realmente, ao determinar como tarefa inicial que seu novo assessor proponha uma solução definitiva para a Previdência, o presidente finalmente dá a um dos problemas mais relevantes do Brasil a prioridade devida.
A indicação implicitamente reconhece que perdemos quatro anos batalhando pelo projeto em tramitação no Congresso, que, mesmo se aprovado, ficaria longe de resolver o problema da ruptura contratada do sistema atual.
É inegável que, com a queda abrupta da taxa de fertilidade no Brasil, a população vai envelhecer rapidamente. Isso significa que, a cada década, a proporção de inativos sobre ativos vai subir rapidamente, acelerando o colapso do sistema atual.
Antes tarde do que nunca. Nos EUA, afetados por problema semelhante, a discussão também só agora começa a esquentar. No último número da "Foreign Affairs", Martin Feldstein e Richard C. Leone digladiam-se inteligentemente sobre o formato mais adequado da nova Previdência norte-americana, lançando luzes sobre a nossa própria situação.
Lá como cá, há três questões que devem ser respondidas sequencialmente para chegar a uma solução racional.
A primeira é quantificar qual o sistema mais eficiente de atendimento das necessidades dos aposentados: o sistema público atual, no qual as contribuições dos ativos são transferidas concomitantemente para os inativos, ou o sistema privado, em que cada um contribui para seu próprio pecúlio, que será sacado pelo contribuinte no futuro, garantindo sua velhice.
À primeira vista, em tempos de neoliberalismo, a segunda opção parece prevalecer. Tanto no caso das contribuições voluntárias como no das obrigatórias, dirigidas a fundos de capitalização ou de pensão ligados às empresas, os recursos arrecadados do trabalhador e da sua empresa serão geridos por especialistas em rentabilidade, terão a supervisão dos interessados e ampliarão o mercado de ações brasileiro de forma nunca vista, acelerando o crescimento e a independência da poupança externa.
Mas é indispensável um estudo responsável, pois o custo da mudança do sistema atual para o novo não é desprezível. Se o sistema atual puder ser profundamente reformulado, eliminando suas contradições, reduzindo seus custos e otimizando a aplicação de suas receitas, seria melhor evitar o trauma do sucateamento da Previdência Social como a conhecemos há décadas.
A segunda questão é definir como se preserva o carretar redistributivo do sistema previdenciário se a opção for pela privatização.
Um dos papéis cruciais da previdência pública é zelar pela dignidade da velhice dos que trabalharam a vida inteira e não teriam como sobreviver com proventos oriundos de seus direitos previdenciários. Quanto mais determinado pelo mercado for o modelo de aposentadoria, maior a consagração das iniquidades distributivas.
Esse problema, que é real, não implica que se descarte a privatização da Previdência. Seja por mecanismos como o da renda mínima garantida, defendido há anos pelo senador Suplicy, seja pela tributação dos ganhos auferidos pelas aplicações dos trabalhadores de mais alta renda e por sua transferência para os desprovidos, há vários esquemas complementares que permitiriam associar a eficiência do sistema privatizado à justiça social de ampararmos os sem-horizontes.
Finalmente, a passagem do sistema atual para um viável -seja ele público ou privado- vai exigir que se identifique quem pagará a conta da transição. Corte parcial de benefícios, idades mínimas de aposentadoria e prazos mínimos de contribuição, impostos transitórios de equalização são algumas medidas altamente impopulares que terão de ser implementadas antes que o novo sistema possa entrar em regime.
Enfim, questões difíceis, que só comportam respostas amargas.
Não é ótimo saber que contaremos com o talento e objetividade de André Lara Resende para tratar do assunto?

Texto Anterior: Próximo alvo; Os endividados; Moto-contínuo; Gerando dinheiro; Dança das cadeiras; Força em Brasília; Parâmetro definido; Na caixinha; Venda oficializada; Óleos e carnes; Empresa na tela; Disputa internacional; As preferidas; Aos tubos
Próximo Texto: Sem medo de sermos felizes!
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.