São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
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'A Ostra e o Vento' põe Brasil na caça ao Leão de Veneza

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

Com "A Ostra e o Vento", de Walter Lima Jr., o Brasil volta a disputar o Leão de Ouro na Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza, que começa amanhã na cidade italiana.
O último concorrente brasileiro foi "Dedé Mamata", de Rodolfo Brandão, em 1988.
Além disso, é bom aproveitar a exibição da comédia "Deconstructing Harry" (Desconstruindo Harry), de Woody Allen, que abre a 54ªedição do evento.
Pouco humor e muito mistério marcam o radical programa com que o curador Felice Laudadio estréia à frente do festival italiano.
Há uma única certeza: Hollywood é o inimigo. Ex-diretor da principal mostra de cinema pan-europeu, Laudadio devolve à curadoria de Veneza uma agressividade há muito perdida.
Filmes americanos na competição, só dois -e independentes-, entre 18 concorrentes.
Pouquíssimos nomes conhecidos participam da disputa: Jim McBride, Mike Figgis, Zhang Yimou, Wayne Wang ("Cortina de Fumaça"), Takeshi Kitano ("Sonatine") e o ator britânico Alan Rickman ("Michael Collins"), debutando atrás das câmeras. A palavra de ordem é renovação.
O predomínio europeu é total, com 12 dos concorrentes. O símbolo foi escolhido a dedo: Marcello Mastroianni. O festival é dedicado a ele, a maior estrela do cinema italiano do pós-guerra, falecido em dezembro último.
As homenagens a Mastroianni incluem o cartaz do evento, a versão de quatro horas do filme-depoimento rodado por sua última companheira (Anna Maria Tató) e o registro fílmico de seu último solo teatral ("A Última Lua") -ambas projeções fora de concurso.
Para um festival que elegeu Mastroianni como santidade, o tom da competição anuncia-se contraditoriamente grave.
O cardápio do ano é dominado por desencontros amorosos, violência urbana e tensões nacionais (o terrorismo do IRA e do ETA marcam respectivamente "The Informant" e "A Ciegas"; só o enigma chinês pauta dois títulos, "Keep Cool" e "Chinese Box").
A ousadia de Laudadio já está sob fogo cruzado, a ponto de o diretor ter lançado na semana passada um comunicado oficial negando posicionamento contra o "star system" que teria assumido numa entrevista a uma TV americana.
"Nunca afirmei nada semelhante", afirmou ele na nota. "Simplesmente disse que não me interessava um festival estruturado sobre o 'star system' e que para mim as verdadeiras estrelas da mostra são os filmes: títulos escolhidos independentemente da notoriedade dos intérpretes, que serão mais que bem-vindos a Veneza."
Coincidência ou cálculo, o mesmo texto anuncia a inclusão do thriller americano "Cop Land", de James Mangold, na mostra paralela Mezzanotte (Meia-Noite), adicionando Sylvester Stallone à lista de convidados.
O ex-Rambo reforça a lista que contava com Harrison Ford, Willem Dafoe, Nastassja Kinski, Jeremy Irons e Timothy Dalton.
Confirmou-se ainda que caberá a Nicole Kidman receber o Leão de Ouro pela carreira que celebra Stanley Kubrick.
O diretor americano reforça assim a fama de recluso e cede a Malcolm McDowell a honra de apresentar a cópia restaurada de "Laranja Mecânica" (1971) lançada no evento. A atriz italiana Alida Valli e o astro francês Gérard Depardieu receberão também Leões de Ouro especiais.
O redesenho do festival é completo, inspirado na gestão do crítico e cineasta Carlo Lizzani no princípio dos anos 80.
Voltam os ciclos paralelos Mezzogiorno (Meio-Dia) e Mezzanotte, o primeiro com ênfase na produção independente, o segundo mais filiado ao cinema de autor.
A aposta em novos nomes catalisa a criação de um Leão de Prata exclusivo para curtas e uma mostra destacando o novo cinema inglês (British Renaissance).
Dois miniciclos focalizam a relação entre música e cinema e entre filme e história, este último monopolizado por lançamento italiano.
A antiga Janela Sobre a Imagem, aberta para o experimentalismo audiovisual, reassume o título de Oficina Veneziana.
Aumenta o número de tributos e de eventos especiais e retorna a Semana Internacional da Crítica. Por fim, a retrospectiva do ano lembra a seleção de Veneza-47, que relançou as cinematografias nacionais depois da crise da Segunda Guerra.
Mais que nostalgia, é uma declaração de princípios, frisando a herança que Laudadio busca agora reivindicar. Se terá sucesso, é o que saberemos até o encerramento, no dia 6 de setembro. Sua manutenção no cargo depende disso.

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