São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 1997
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A Encol é problema público

LUÍS NASSIF

As crises da Encol e da Golden Cross trazem duas lições que não podem ser ignoradas.
Primeira: toda empresa que atua junto ao grande público é empresa pública. Como tal, tem de ser obrigada a publicar balanços confiáveis e a prestar contas de seus atos da mesma forma que as empresas de capital aberto. Segunda: é obrigação do governo fiscalizar toda atividade que envolva poupança pública.
Até agora, o conceito de empresa pública -com obrigação de prestar contas de seus atos ao público- estava restrito às sociedades de capital aberto. Mesmo entre elas os dados não são confiáveis, como se pôde ver nas quebras do Nacional e Econômico -que morreram ostentando balanços invejáveis.
Com mais de 40 mil mutuários, a Encol era uma empresa pública. No entanto, à medida que sua crise se aprofundou, continuou vendendo imóveis em ritmo cada vez mais alucinado, sabendo que, quando parasse de pedalar, cairia. E o público continuou comprando, porque não dispunha de informações confiáveis sobre sua real situação.
Quem era responsável pela fiscalização da Encol? Ninguém. Como não atua com ativos financeiros, estava fora da mira do BC (Banco Central). Como não era uma empresa de capital aberto, estava a salvo da fiscalização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Não adianta o governo alegar que esses problemas pertencem ao mercado. Quando envolvem a poupança de milhares de pessoas, passam a ser problemas públicos, a exigir regulação por parte das autoridades competentes.
'Felipetas' em série
Nos anos 20, no Rio de Janeiro, foi inventada a "felipeta" -sistema pelo qual os novos compradores garantiam o pagamento dos primeiros até que a corrente quebrasse.
O caso Encol foi tipicamente uma "felipeta".
Anos atrás, as "felipetas" foram aplicadas por empresas que comercializavam cartelas que davam presumíveis direitos a gramas de ouro -que ninguém sabia onde estavam depositados. Aliás, não estavam. Tempos depois, as empresas estouraram, lesando milhares de pessoas; e, da mesma maneira, nenhum órgão fiscalizador do governo se responsabilizou por sua fiscalização, porque não eram instituições financeiras convencionais.
Neste momento, dezenas de empresas de engorda de boi estão oferecendo papéis que garantem presumíveis direitos a cotas-partes de boiadas -que ninguém pode garantir se existem ou não. Em alguns casos, os vendedores são os mesmos das empresas de ouro. A publicidade é ostensiva. E quem fiscaliza?
A melhor resposta que se poderia dar à crise da Encol -além de encontrar saídas para os mutuários- seria a CVM acelerar sua proposta de toda grande empresa ser obrigada a publicar balanços, independentemente da natureza do seu capital. E o BC passar a entender como ativo financeiro toda forma de captação de poupança -mesmo aquelas que vendam chifres em cabeça de cavalo.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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