São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Disco é pura concessão

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

A carreira deles já oscilou tremendamente ao longo dos anos. Perderam seu líder não declarado, navegaram ao sabor da moda do momento em discos que tinham cada um uma cara. Por fim, lançaram um disco digno, inspirado, chamado "Domingo". Não vendeu nada. O que fazer agora?
Esse deve ter sido o dilema dos Titãs antes de programar um novo trabalho. Como seguir a trilha da dignidade se as sete cabeças de uma das bandas-ícone do rock dos 80 no Brasil hoje têm, quase todas, mulher e filhos para alimentar?
Jogar às favas o conforto do sucesso fácil ou alimentar a filharada? "Acústico MTV" é a aposta na segunda alternativa.
É o disco mais vendido da carreira da banda? Sim, certo, OK. Como conseguiram tal feito depois de anos a fio em decadência progressiva? Parece óbvio: abrindo mão de qualquer convicção.
Como seria fácil conceber um sucesso estrondoso recauchutando hits de 13 anos de carreira, não?
Como seria imediato fazer um "greatest hits" revestindo rocks queridos dos amplamente aceitos arranjos acústicos, das ora adoradas roupagens orquestradas, não?
O que há de legítimo em tudo isso? Muito pouco, quase nada.
É ilógico que se coloque a agressividade de "Polícia", "Cabeça Dinossauro" e "Homem Primata" a serviço da cafonice de cordas que assola a MPB.
É ilógico que sejam tão bem aceitas regravações de "Go Back" e "Comida" quando são tão mais mal cantadas do que eram, quando mostram cantores -eles nunca foram bons cantores, mas isso antes não importava- tão pouco dispostos a se aprimorarem.
É ilegítimo que se tome um poema do tropicalista Torquato Neto ("Go Back") para vertê-lo em espanhol mal pronunciado e mal cantado, utilizando, uma vez mais, o bobo alegre Fito Paez como pretexto de congraçamento transnacional.
Ora, todas essas canções eram legais quando foram lançadas. Marcaram uma época, o imaginário de quem cresceu com elas. Era preciso recantá-las de forma tão displicente, em arranjos tão artificiais?
Para que a resposta seja sim, só um pré-requisito é necessário: a vontade louca de aplauso fácil, conquistado sem invenção.
A MTV entra com a divulgação, o amor dos fãs por "Flores" ou "Televisão" (única faixa que, até pela presença de Rita Lee, preserva a integridade pop dos Titãs -detalhe? foi gravada em estúdio) colabora para a mistificação, o ego dos integrantes tenta a mitificação.
Só não se conserva a integridade. Eles estarão felizes, ricos. Mas não devem ignorar que, a longo prazo, trabalham contra sua própria importância (dessa Arnaldo Antunes, ainda que autocentrado em demasia, escapou a tempo). A atitude é útil, sem dúvida, mas se é inteligente já é outro caso.
Por ora, é como diriam uns antigos roqueiros: homem primata, capitalismo selvagem...

Texto Anterior: 'Acústico' tira Titãs da crise
Próximo Texto: Coluna Joyce Pascowitch
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.