São Paulo, sábado, 30 de agosto de 1997 |
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Militar pinta a guerra civil
ARMANDO ANTENORE
Como revela o livro "Memória Paulista", recém-lançado, "o comandante" fazia parte da extinta Força Pública do Estado, corporação que precedeu a Polícia Militar. Com mão firme, chefiou um regimento de cavalaria -o do Rio Pardo- durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Em pleno combate, ainda sob as rajadas das metralhadoras inimigas, obrigou um cabo a retornar às trincheiras que o pelotão acabara de abandonar. Alegava que o subordinado esquecera por lá o tripé de um fogão. Para escândalo da tropa, preferiu arriscar a vida de um soldado em nome da disciplina. O mesmo Feijó, no entanto, produziu dois diários do conflito surpreendentemente sensíveis. Em prosaicos cadernos, narrou o cotidiano da luta por meio de aquarelas e bicos-de-pena. São dezenas de desenhos, todos com cores suaves e traços finos. Ora expõem estratégias militares, ora retratam os lugarejos do interior paulista por onde a cavalaria revolucionária passou. Curiosamente, nenhuma ilustração exibe cenas típicas de guerra -o sangue, o bombardeio, o desespero. Os manuscritos que as acompanham também rejeitam o sensacionalismo. Uns trazem observações do comandante sobre os lugares que o regimento desbravou ("a tal vila de Santo Antonio me impressionou pela paisagem melancólica"). Outros oferecem uma visão épica da luta ("a cavalaria, sem qualquer apoio, lançou-se no 'saco', confiando em Deus e na bravura dos seus homens") ou pílulas da filosofia que norteava o autor ("a necessidade espicaça o espírito"). Há, ainda, os apanhados críticos, de que Feijó se valia para condenar ordens desastradas dos superiores, "os barões de Munchausen, os falsos soldados, os incorrigíveis mitômanos". Tão farto e inusitado material se encontrava perdido em dois museus de São Paulo: o da Polícia Militar e o do Ipiranga. Somente agora, seis décadas depois da revolução e com o lançamento de "Memória Paulista", é que vêm à luz. O livro, assinado por Vavy Pacheco Borges, não apenas reproduz os diários do comandante. Também abriga um texto de 83 páginas em que a historiadora traça o perfil de Feijó, faz considerações sobre a batalha de 1932 e explica como atuava a Força Pública. A pesquisadora deparou com os desenhos do oficial há quase três anos, por mero acaso. Uma funcionária da Edusp (Editora da Universidade de São Paulo) revirava o Museu do Ipiranga à procura de ilustrações para livros no prelo. Entre uma busca e outra, acabou achando um diário com o título de "Lembranças". Percebeu se tratar de algo importante e o encaminhou à direção da editora, que resolveu publicá-lo. Ocorre que o caderno trazia a rubrica de um certo A. Feijó -de quem, àquela altura, ninguém ouvira falar. A Edusp, então, convocou Vavy para desvendar a identidade do obscuro autor. E a historiadora não só a revelou como descobriu, no Museu da PM, o segundo diário do comandante. Mais: conversando com colegas e familiares do coronel, soube que Feijó escrevera compulsivamente durante toda a vida -desde poemas e artigos de jornais até livros sobre assuntos militares. Depois de localizar e ler cada texto, a pesquisadora pôde construir "o perfil contraditório" (como insiste em ressaltar) do oficial que estudava francês, espanhol e italiano, apreciava a natureza, cultivava as belas-letras e amava o front. Por tabela, tirou da sombra um coadjuvante da história. Paulista de Vargem Grande do Sul, Alfredo Feijó (1894-1973) não figura entre os ícones da revolução constitucionalista. É certo que recebeu homenagens pela campanha, mas nada que o tornasse tão célebre como os generais Euclides Figueiredo e Bertoldo Klinger, principais líderes da guerra civil. Ao descrever as ambiguidades do coronel, Vavy aproveita para refletir sobre o caráter paradoxal do própria revolta de 1932. O movimento militar -que estourou no dia 9 de julho por iniciativa das elites políticas de São Paulo, com adesão da classe média- questionava a legitimidade do presidente golpista Getúlio Vargas e exigia a convocação de uma assembléia constituinte. Sem o apoio de outros Estados, os paulistas acabaram se rendendo em setembro. Vargas, porém, marcou as eleições legislativas. Daí a contradição: São Paulo perdeu a guerra, mas até hoje alardeia que ganhou a causa. Livro: Memória Paulista Autora: Vavy Pacheco Borges Lançamento: Edusp Quanto: R$ 50 (239 págs.) LEIA MAIS sobre o coronel Feijó à pág. 4-7 Próximo Texto: O QUATRO Índice |
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