São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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Conhecimento e ciência

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

Os avanços da ciência e da aplicação do conhecimento para o aumento da produção permitiram ganhos fantásticos para o bem-estar material e da longevidade dos seres humanos nos últimos séculos. Por isso, a ciência ocupa uma posição central na vida moderna e dela se espera demais, inclusive a superação de problemas sociais, sobre os quais ela tem pouco a dizer.
Mas, fugindo um pouco dos problemas cotidianos, é útil fazer um contraste entre a obsessão moderna com ciência e suas aplicações e o início do conhecimento científico na antiguidade.
Nunca o conhecimento humano avançou tanto, antes da Idade Moderna, como na Grécia clássica nos séculos 4º e 5º a.C. Nos campos da astronomia, matemática, geografia, agronomia, anatomia e fisiologia humanas, metalurgia, mineralogia e navegações houve avanços enormes que se traduziram, em um primeiro momento, em melhoria material.
No entanto, bem antes do fim da época clássica, o avanço no conhecimento virtualmente se estancou. A razão principal esteve no descasamento entre conhecimento e sua aplicação prática. Atribuía-se enorme valor ao saber, mas nobre era o saber, não o fazer.
Assim, muitos avanços do conhecimento não tiveram aplicações econômicas. Por exemplo, no século 1º d.C., Hero da Alexandria descreveu em seu livro "Pneumática" nove mecanismos diversos movidos por vapor d'água, mas quase todos eram brinquedos. Com o fim da época clássica, esse conhecimento foi perdido.
Somente com a revolução industrial no século 18 é que a máquina a vapor foi reinventada, agora voltada para a solução de problemas econômicos.
A barreira não foi só de que algumas idéias e descobertas ultrapassaram a capacidade técnica da época, mas sim o desinteresse em superar a limitação técnica para fins que levassem a aumento na produção.
Por exemplo, embora o princípio da navegação à vela fosse bem conhecido, não se pensou em transferir esse conhecimento para um outro uso muito essencial, como a construção do moinho de vento. Os moinhos só chegaram à região séculos mais tarde.
Outro exemplo é Aristóteles e sua noção de que a observação concreta das coisas é a base do conhecimento. Desenvolveu um método empírico voltado para o conhecimento da biologia. Mas, embora Aristóteles e seus discípulos terminassem por saber muito sobre a reprodução animal e o rendimento das plantas, nenhum deles traduziu isso em técnicas de seleção de sementes ou voltadas para o aumento da produção agrícola. O caráter aristocrático do conhecimento foi o grande fator que impediu seu desenvolvimento posterior.
Voltando aos dias de hoje, a ausência de preocupação com a aplicação prática do conhecimento não é uma de nossas carências. Ao contrário, parece que elegemos o pólo oposto, com excessiva valorização dos conhecimentos práticos e da especialização em detrimento de um conhecimento mais amplo da vida.

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