São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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Decano do gozo

NELSON DE SÁ; OTAVIO FRIAS FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL E DA REDAÇÃO

O nacionalismo populista, o "brasilismo", como ele prefere, é uma marca do teatro de Zé Celso. Aqui o diretor identifica as divergências com a "esquerda tradicional" no seu passado ligado ao integralismo de Plínio Salgado, na juventude, e depois ao antiimperialismo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb).
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Folha - Como é que um garoto tímido de Araraquara foi virando o Zé Celso, em São Paulo?
José Celso Martinez Corrêa - Ah, sempre porque estava apaixonado, e no que eu estou apaixonado... Fui trabalhar no Arena, porque não sabia fazer nada. E o (diretor Augusto) Boal estava com uma liberdade enorme. O Boal dava liberdade, mas tinha o lado dogmático, do Seminário de Dramaturgia. O parâmetro do autor brasileiro como visto por aquela cabeça que, para mim, era colonizada. Eu sentia que não era aquilo.
Folha - O que era, então?
Zé Celso - Eu já tinha um passado, em Araraquara, na tentativa dos integralistas de criar uma nova geração. Tinha um amigo chamado Plínio em homenagem ao Plínio Salgado. Era uma família de que eu gostava muito, que frequentava, por ter mais liberdade. Diziam, "leia 'Os Sertões', isso, aquilo", e havia as conferências, e eu ouvia Plínio Salgado falar. Ele falava muito bem. Eu tenho a impressão de que adquiri uma certa qualidade na fala de vê-lo falar. Os gestos de teatro. Passava a mão na testa, entrando num transe. Eu não conseguia embarcar naquelas coisas, das cerimônias militares. Agora, a fala do cara...
Folha - Como foi o episódio da dispersão do ato comunista?
Zé Celso - Era um Comício da Panela Vazia. Eu não sabia de nada. Aliás, uma gente muito bonita. Hoje eu admiro os comunistas, pela coragem. Mas foi coisa de criança. A nossa turma, saindo do cinema, começou a fazer baderna contra o comício. Um deputado integralista aproveitou, e pegamos ele de escudo. Deram uma paulada nele, chegou polícia, jogou água. E no dia seguinte a professora de história disse, "vocês saíram no 'Repórter Esso' destruindo o comício comunista, vocês são exemplo para a juventude de amanhã".
Folha - Você era anticomunista?
Zé Celso - Esse episódio não pode ser visto como "ah, era anticomunista". Quando ela elogiou eu fiquei "voduzado". Naquela sala tive meu primeiro contato com a engrenagem do Sartre. Estava na terceira série, 13 ou 14 anos. Levei um choque. O que para mim era entusiasmo, bagunça, tinha repercussão nacional, porque a Esso era contra comunistas. Fiquei de mau humor e foi aí que passei a desconfiar que era manipulado.
Folha - Vocês participavam do Centro Cultural Alberto Torres, um centro integralista.
Zé Celso - Alberto Torres estava numa coleção, na biblioteca do meu pai. Era um estudioso do Brasil, pensou o Brasil. Ele teve e tem uma importância enorme na minha vida. E hoje eu reencontro esse pensamento no "Príncipe da Moeda", do Giba (Gilberto Vasconcelos, sociólogo), que situa muito a importância de Alberto Torres. Agora, no centro cultural nós éramos crianças, um grupo de amigos. A gente se reunia em torno disso que apareceu.
Folha - Eram vários centros.
Zé Celso - É, espalhados pelo Brasil. Em cada lugar um nome, Euclides da Cunha, outros. Eles nos chamavam de Águias Brancas. (ri) A gente não tinha a menor idéia do que havia por trás. Mas tem aí um lado do meu amor pelo Brasil, por Villa-Lobos, por Getúlio (Vargas, ex-presidente). Pelo populismo, pelo (ex-governador Leonel) Brizola, meu amor confesso, declarado, total pelo Brizola. Todos esses pecados (ri).

Continua à pág. 5-5

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