São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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Check-up em check-up

IZABELA MOI

Médicos questionam a validade da batelada de exames que se faz em uma "revisão geral da saúde"
O check-up passa por um check-up. Noventa e sete anos depois de criada pelo norte-americano George Gould, a "revisão geral da saúde", tão em moda, começa a ser questionada pelos próprios médicos.
Rápido e prático, porque reúne todos os exames em um mesmo dia e local, o check-up virou benefício, às vezes obrigatório, oferecido aos executivos, ao lado de carro, passagens ao exterior e premiação anual.
Embora institucionalizado, o check-up vem sendo criticado por médicos que o consideram desperdício de tempo e dinheiro. Eles defendem que a melhor forma de prevenção é consultar um bom clínico-geral e fazer apenas os exames indicados por ele. É o que chamam de "check-up dirigido".
"Não tem sentido fazer uma investigação aleatória de um paciente. A conversa prévia com o médico tem de orientar os pedidos de exame. Se ele tem 45 anos e histórias de infartos na família, recomendo uma dosagem de colesterol e assim por diante", afirma Antônio Carlos Lopes, professor livre-docente de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo.
Do outro lado do ringue, os defensores do check-up concordam com Lopes, mas afirmam que o problema é justamente a falta de bons generalistas. "Concordo que uma consulta com um clínico-geral pode orientar os pacientes e chegar às mesmas conclusões que um check-up, mas nos moldes em que as coisas acontecem hoje, não dá", contra-ataca Erkki Larsson, coordenador médico do Centro de Check-up do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
O que Larsson chama de "moldes atuais" é a falta de tempo de médicos e pacientes e o sistema de convênios. Uma consulta correta implica interrogar a pessoa sobre sintomas, hábitos, histórico de doenças e antecedentes na família, além de um bom exame clínico. Impossível fazer isso em meros 20 minutos e, muito menos, em um médico de convênio, que não mantém vínculo com seu cliente.
"O médico que atende alguém que não sente nada ou tem vários sintomas precisa ser um clínico com boa formação. Não se pode aceitar uma consulta aos pedaços, ela deve levar o tempo que for necessário, mesmo que seja apenas para curar uma unha encravada", concorda Lopes.
A conclusão poderia ser, portanto, que check-up é ideal para quem não possui um bom "médico de família". Não é bem assim. Os críticos das "revisões gerais" dizem que, nos check-ups, há muitos exames inúteis e mal-direcionados. Como exemplo, questionam a necessidade de um homem de 30 anos submeter-se ao famigerado exame de "toque retal", aquele em que um médico introduz cerca de 7 cm do dedo no ânus para detectar um possível câncer de próstata.
"Economicamente, tal procedimento não é viável. A empresa contrata um certo número de exames por executivo. Um check-up dirigido poderia indicar menos ou mais exames, mas isso encareceria o contrato com a empresa e tal flexibilidade contábil é impossível", diz Larsson.
Apesar de jovem, o gerente de marketing da Cargil, Marcelo Tavil Martins, 31, faz check-up há dois anos e gosta. "Nas duas vezes, identificaram problemas de peso e colesterol alto. Recebi orientações sobre a prática de exercícios e alimentação e agora decidi seguir uma dieta", conta Martins. Ele considera cansativo fazer os exames, mas acha que a relação custo-benefício vale.
Um check-up rápido dura cerca de seis horas. Os preparativos começam no dia anterior, quando uma dieta é recomendada: restrição a alguns alimentos e tomar pelo menos oito copos de água antes de dormir.
É preciso chegar ao local, em geral, antes das 7h. Em jejum, você espera ser chamado pela enfermeira para começar a maratona. De casa, você já trouxe sua coleta de fezes e urina.
O primeiro exame costuma ser o de sangue: com uma picada só, são enchidos três tubos de ensaio. Os próximos são a ultrassonografia do aparelho digestivo e o raio X do tórax.
Tempo de intervalo: hora do café da manhã, porque, com fome, você poderá dar mais trabalho do que se espera.
A bateria continua com a fase dirigida pelos especialistas. Em geral, são seis ou sete médicos de várias áreas, de cardiologistas a dermatologistas, prontos para escanearem seu corpo. Entre um e outro exame, você tem a oportunidade de confraternizar-se com "coleguinhas" (leia depoimento de Clóvis Rossi à pág. 8).
No final, desembolsa-se de R$ 750 a R$ 1.500. Mesmo para quem paga do próprio bolso, o check-up vale a pena, segundo seus defensores. Fazer os 150 exames oferecidos pela Bio Check-Up (Lapa), por exemplo, em vários centros médicos e laboratórios, custaria muito mais que R$ 750 (veja quadro). Além disso, o check-up teria a vantagem de reunir uma equipe de especialistas de diferentes áreas para analisar os resultados.
Os críticos, porém, dizem que essa conta não é correta, porque muitos exames seriam absolutamente dispensáveis. "O raio X do tórax não serve para nada. Ninguém ainda provou que a mortalidade por câncer de pulmão foi diminuída pelo diagnóstico precoce. Além disso, esse exame cria uma falsa segurança no paciente, que acaba acreditando que o fumo não o está prejudicando", diz Milton Martins, professor titular de Clínica Geral da Faculdade de Medicina da USP.
O oncologista Sergio Simon, do Hospital Albert Einstein, tem a mesma opinião. "Não existe nenhum país no mundo que recomenda o raio X de tórax para detectar câncer de pulmão. O exame não é sensível suficiente para descobrir precocemente células cancerígenas, nem na população fumante. Nem em conjunto com a citologia do escarro, é possível detectar o câncer pulmonar a ponto de reduzir a mortalidade", diz.
A eficácia dos exames periódicos como parte da saúde preventiva é estudada por duas entidades, uma no Canadá (Canadian Task Force on the Periodic Health Examination) e outra nos EUA (United States Preventive Services Task Force). Essas sociedades determinaram três critérios que definiriam a necessidade ou não de se fazer um exame aleatoriamente, ou seja, em pacientes sem sintomas e sem histórico familiar ou pessoal:
1. as consequências da doença devem ser suficientes para justificar os custos de determinada medida preventiva (exames, mudanças de hábitos...), sendo esses custos não apenas financeiros, mas de moral e ânimo do paciente;
2. o exame só tem sentido se o fato de detectar a doença antes ajudar no tratamento;
3. é preciso levar em consideração se a medida de prevenção da doença vale a pena, ou seja, não causa desconforto e ansiedade em excesso.
Com base nesses três pontos, as duas entidades não recomendam vários exames incluídos em check-ups, como eletrocardiograma, dosagem de glicose no sangue e hemograma completo (veja quadro à pág. 11).
Segundo Larsson, grande parte dos indivíduos que procura uma clínica de check-up não tem nada. "Mas o ganho para esses pacientes pode ser o cuidado com a qualidade de vida. Eles são orientados sobre mudanças de hábitos alimentares, exercícios, dicas para prevenção de algumas doenças etc."
Os resultados de um check-up chegam em uma semana. Na entrega, o paciente passa pelos especialistas que detectaram algum resultado anormal. É preciso tomar cuidado, porém, com os casos de "falso-positivo".
"Os valores de referência de um exame são construídos pela média da população de pessoas normais. Mesmo assim, de 3% a 5% das pessoas têm valores fora dos padrões, mas não deixam de ser saudáveis", diz Martins. Essa variação percentual ocorre em todos os exames. À medida que o número de testes aumenta, cresce obviamente a possibilidade de falso-positivos. Quem fizer 90 exames, por exemplo, tem 99% de chances de obter um resultado anormal, mesmo sendo saudável.
Para os hipocondríacos, os médicos avisam que o check-up não é um grande alento. Ele é uma fotografia do seu estado naquele momento. "Check-up não é preventivo. Vale para aquela hora. Ele não impede que uma pessoa adoeça e morra entre um check-up e outro", afirma Simon.

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