São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997
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Previdência: o nó não está nos direitos adquiridos

MAILSON DA NÓBREGA

A revolta com os privilégios de funcionários públicos leva muitos a pensar que eles são uma causa importante dos déficits da Previdência. Há quem defenda a extinção dessas vantagens, ainda que representem direitos adquiridos, sob argumentos que têm lógica econômica, mas nenhuma validade jurídica.
Os mais moderados entendem que a situação poderia ser enfrentada com vontade política e mobilização da opinião pública. Essas propostas estão próximas da ditadura e não de instituições civilizadas.
É preciso não confundir aposentadorias escandalosas com direito adquirido, que é indissociável da cidadania. Ninguém pode ficar à mercê do arbítrio do governo, mesmo com a justificativa do interesse coletivo.
Muitos desses direitos, é verdade, ultrapassam a raia do absurdo. Mas, como se sabe, nem sempre o que é direito é justo. O juiz deve ater-se à lei e à sua consciência e não ao que queremos que ele pense.
A tragédia é que esses privilégios se fundam quase sempre na lei. Pode-se questionar a interpretação especiosa em proveito de determinados marajás, nunca a aposentadoria concedida de forma regular.
As elevadas aposentadorias no governo federal representam relativamente pouco do total. Os que ganham acima do presidente da República (R$ 8.500) perfazem apenas 2,3% do total dos gastos e 0,3% do número de inativos e pensionistas.
A massa das aposentadorias está longe de ser escandalosa. No Executivo federal, os que percebem até R$ 1.500 representam 42% do total. Com R$ 2.500, abrange-se 60%; com R$ 3.500, totaliza-se 70%.
A concentração nas altas aposentadorias deve ser maior no Legislativo e no Judiciário, mas isso não afetaria de forma significativa os resultados. A situação também não mudaria se considerássemos o problema nos Estados e municípios, mesmo com as generosas aposentadorias de policiais, juízes e procuradores.
Pensava-se que o artigo 17 das Disposições Transitórias da Constituição resolveria o problema ao estabelecer que os excessos de remuneração deveriam ser eliminados, não cabendo, no caso, a "invocação de direito adquirido".
Pela Constituição, a remuneração dos servidores públicos deve ter como limites os valores percebidos por membros do Congresso, ministros de Estado e do STF e seus correspondentes nos Estados; nos municípios, o do prefeito (artigo 37, inciso 11).
O Supremo Tribunal Federal entendeu, todavia, que esses limites não se aplicam às vantagens pessoais, tais como qüinqüênios, promoções e outras relacionadas à história funcional do servidor.
Uma forma de restaurar os limites seria o Congresso, na discussão atual sobre o teto, incluir as vantagens pessoais para efeito de cálculo dos limites. Seus efeitos financeiros seriam, como se viu, relativamente modestos. Lutar contra esses escândalos é, portanto, um imperativo ético, mas o drama reside no grave desequilíbrio entre benefícios e contribuições.
As aposentadorias dos servidores públicos não têm base atuarial. São concedidas considerando-se a remuneração nos últimos anos da carreira, cargos em comissão exercidos por certo tempo, quintos, apostilagens e outras esquisitices.
Com jeitinhos, muitos servidores conseguem enquadrar-se na remuneração máxima possível. Os mais sortudos recebem também um prêmio financeiro na passagem para a inatividade, caso único em todo o mundo.
Quem se aposenta com R$ 2.500 contribuiu para receber muito menos. Com o regime jurídico único, restabelecido pela Constituição, milhares que haviam contribuído para ter benefícios do INSS passaram a fazer jus a valores bem superiores.
Em 1996, os servidores federais contribuíram com 15% do valor dos benefícios. Nos EUA, onde se considera que a Previdência está falida, esta arrecada 120% dos gastos. A quebra se dará por volta de 2030, mas eles já estão discutindo saídas.
Em resumo, se a aposentadoria derivar da lei e estiver abaixo do limite constitucional (a maioria esmagadora está), não há como reduzi-la. Estamos montados, pois, em uma bomba-relógio.
É preciso achar uma saída para quitar os direitos efetivamente adquiridos. A partir daí, qualquer aposentadoria, inclusive a do servidor público e exceto a dos desvalidos, haverá que basear-se no regime de capitalização e na contribuição do beneficiário.

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