São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997
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Divagação sobre dentes

JOSÉ SARNEY

Saúde bucal é coisa séria. Deve estar na mesa dos planejadores de desenvolvimento social e qualidade de vida. Não podemos separá-la do contexto e universo dos ganhos da estabilidade econômica.
Vamos aos fatos: o produto que mais rapidamente emergiu nos resultados do Real foi o frango, símbolo da mesa farta, acesso à carne branca, saborosa, que entre outras virtudes tem a de ter menos gordura e colesterol.
Não se pode separar comer frango do conjunto do aparelho digestivo. E aí temos que considerar os dentes. Não descuidar também dos aspectos econômicos e sociais.
Roberto Campos, certa vez, no Maranhão, enfrentando uma mesa farta de galinha à cabidela, frigideiras de caranguejo e camarão, não vacilou em seus conhecimentos de mestre da economia e sentenciou: "Vou rever minhas teorias, um país não pode ser considerado desenvolvido somente pela sua renda per capita. País desenvolvido é aquele que tem boa culinária". Recordo essa sentença para concluir outra: "Povo que come frango e usa dentadura é povo desenvolvido".
Surge-me outra indagação muito pertinente. Para comer frango é preciso que se tenha dentadura, porque senão não podemos mastigar, nem sentir o prazer gustativo das coxas e das asas galináceas. Fora daí, só canja. Portanto é um prolongamento salutar o estender às classes dos banguelas a oportunidade de desfrutar os benefícios do Real. Dentadura neles!
O iogurte pode ser comido sem dentes, mas frango não. As classes mais ricas não são atingidas pelo "programa dentadura" porque fazem implantes dentários e outras técnicas sofisticadas e caras.
O estado de penúria das classes de baixa renda era retratado pelo barão de Itararé: "Quando pobre come frango, um dos dois está doente". Agora não, come todo dia, com a vantagem da dentadura nova.
O dente está nas páginas bíblicas já como símbolo. O Velho Testamento prega conforme a lei mosaica: "Olho por olho, dente por dente". Myke Tyson, de bons dentes e dentadura natural, decepou parte da orelha de seu adversário. Vulcano, o deus mitológico dos raios, mastigava seus filhos. Ora, se mastigava, é porque tinha boa dentadura.
Tive um grande amigo, do município de Matinha, no Maranhão, bom odontólogo, que fez sua carreira política tirando dentes e fazendo boas dentaduras para os eleitores. E outro amigo, o deputado Walbert Duailibe, que nas campanhas conduzia um saco de dentaduras de todos os tamanhos e mandava o eleitor escolher aquela que melhor lhe servisse.
Um governador do meu Estado tinha um incisivo ovalado e bem pronunciado e foi apelidado de "dente de alho". Ficou uma fera, fez o diabo e mandou até prender o bispo. Em economia, o crescimento irregular é chamado de "PIB de dente-de-serra". Do Alentejo, Vale do Lobo e Idanha, a Nova, vem a canção de ninar: "Telhado, telhadão/ Toma lá teu dente podre/ Me dá meu são". O dente marca os tempos de nossa vida: dente de leite, dente do juízo.

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