São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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Ter ídolo faz bem

AUGUSTO PINHEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Nancy Gonçalves Munhoz, 35, é casada. Mas tem outro homem em sua vida: o cantor Jon Bon Jovi. Gosta de ser chamada de Nany Bon Jovi e faz tudo pelo ídolo norte-americano e sua banda (Bon Jovi).
Mas é tudo mesmo: ela chegou a comprar um CD japonês do ator e dublê de cantor Eddie Murphy só porque em uma das faixas o guitarrista do Bon Jovi, Richie Sambora, falava "Yeah, yeah".
Jorge Amaral, 23, vive perseguindo artistas. Costuma fazer plantão à tarde no aeroporto na expectativa de ver alguém famoso e tirar foto. Sua coleção de fotos ao lado de famosos é enorme: desde Morten Harket (ex-vocalista do A-ha) a Eliana (apresentadora infantil). Mas seu verdadeiro ídolo é o cantor mexicano Enrique Iglesias, por quem é capaz de tudo.
Fábio Rogério Galli, 20, costumava pedir dinheiro à mãe para comprar livros, mas torrava tudo em CDs da Madonna. Assim que a cantora muda de visual, ele copia. "Quando ela lançou o clipe de 'Rain', imitei o cabelo: pintei de preto e cortei bem curtinho", diz. Agora, mantém o look da fase garota-propaganda da Versace (leia outras histórias abaixo).
Cultuar ícones culturais, esportivos ou pessoais, enfim, ter um ídolo é algo importante e saudável, garante o psiquiatra Paulo José Moraes, 48. "Caso contrário, a afetividade fica embotada."
Ele diz que a idolatria é mais forte e visível durante a adolescência: "O jovem está buscando uma identidade, quer se diferenciar do modelo anterior, dos pais". E, em geral, o adolescente procura modelos que tenham certas qualidades, como liderança, beleza física, talento e coragem. "Ele quer a perfeição, e não algo falho."
Ivonise Catafesta, professora de psicologia da USP, afirma que as paixões platônicas pelo roqueiro ou ator hollywoodiano são naturais: "O adolescente ainda tem receio do contato, da realidade. Isso ajuda no desenvolvimento".
Mas tem um limite: "Se o comportamento perdurar depois da idade adulta e começar a atrapalhar a vida, a sexualidade, já não é mais considerado bom", diz.
Aliás, quando a idolatria se transforma em obsessão é sinal de que algo está errado: "Faz parte da estrutura de uma personalidade insegura, o fã vai além para se completar, tem um buraco dentro dele, busca algo que falta em si próprio. Pode ser considerado patológico", diz Paulo.
Ele lembra que a adoração exacerbada já terminou em tragédia, como no caso de John Lennon e, mais recentemente, da cantora norte-americana de origem mexicana Selena, que até virou filme.
Ambos foram assasinados por fãs obcecados. "É um ritual antropofágico, matar para devorar, para se tornar o outro", diz Paulo.

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