São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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Beck diz que é fã de Jorge Benjor

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Beck saiu de seu ônibus conversando com outros membros da trupe. Quem vê o cara minguado, baixinho e com uns trapos dos anos 60 não acredita que se trata de um dos maiores sucessos do pop-rock dos últimos anos.
Até chegar onde está, o garoto pobre da área barra-pesada de Los Angeles penou muito. Foi carregador de geladeira, distribuidor de cachorro-quente em festa infantil, balconista de videolocadora.
Foi falando justamente de um perdedor ("I'm a loser, baby/ So why don't you kill me?"), que o sucesso encontrou Beck. Mas ele continuou sem estrelismo, a ponto de receber um desconhecido do Brasil e bater um papo franco. Confira.

*
Folha - Em uma de suas músicas, há trechos de melodias de Tom Jobim. De onde vem essa conexão?
Beck - Cresci em uma comunidade latina, então sempre gostei desse som. Há algo na melodia da música brasileira, especialmente dos anos 60, samba e tropicalismo, que tem um ritmo africano cru, e é uma música tão incrivelmente poderosa e contagiosa!
Folha - Você gosta de algum músico em particular?
Beck - Pô, cara, são tantos. Jorge Benjor, provavelmente o preferido, Caetano Veloso, Milton Nascimento. Há também esse grupo, Quarteto em Cy, de meados dos anos 60.
Folha - E aí, quando é que você vai pro Brasil?
Beck - Logo que a gente tiver tempo. Eu já venho tentando ir pra lá há uns dois anos...
Folha - Depois de "Loser", você sentiu como se tivesse de provar algo às pessoas?
Beck - É, trabalhei um monte, fiz bastante show, mas sabia que isso ia se desmanchar com o tempo -e se desmanchou. Havia horas em que eu ficava brabo com esse rótulo, mas tinha certeza de que com o tempo ele iria embora.
Folha - Com o sucesso de "Odelay" você sente que ainda tem algo a provar?
Beck - Só faço o meu negócio. "Odelay" não era pra provar nada a ninguém. Não tinha muitas expectativas. Quando terminei o álbum, depois de seis meses de trabalho, o sentimento meu e das pessoas que trabalharam junto era: "É um disco legal, se gostarem dele, vão encontrá-lo". Então foi uma surpresa que o disco pegou e vem gradualmente fazendo mais sucesso.
Folha - Irritou o fato de ser conhecido pelo rótulo de "slacker" (preguiçoso, relaxado), já que você sempre teve uma vida de bastante trabalho e dureza?
Beck - Se você vê os "slackers" como uma classe social -porque "slacker" é isso, é gente que teve uma péssima educação na rede pública e só pode encontrar trabalhos baratos a um salário de fome-, então acho que eles realmente existem. Mas aí eles são descartados, como pessoas estranhas, preguiçosas, de saco cheio e sem imaginação. E não é o caso: é gente que está lutando, tentando achar uma voz no mundo e, pelo menos nos EUA, são dominadas pela geração anterior, a dos anos 50 e 60. E, por causa da falta de educação, eles não têm uma voz! Não sabem se expressar, como articular seus sentimentos. Mas "slacker" se transformou num termo muito pejorativo, indigno.
Folha - Você nunca tem vontade de usar sua música para deixar uma mensagem?
Beck - Sim, mas mensagens são tão difíceis, especialmente em música. Porque mensagens têm a sua gravidade, certo?, e música, a melodia, é leve, não tem peso nenhum. Se você colocar uma mensagem naquilo, vai pesar sobre a melodia, e aí não flui mais. Esse é o truque. E a única mensagem importante é a que se auto-revela por meio dos ouvintes, da platéia. Eles têm de pegá-la por si próprios. Talvez nos anos 60, você podia chegar num lugar e dizer alguma coisa, e as pessoas iam dizer "sim, sim", mas agora as pessoas te derrubam. As pessoas não querem ouvir pregações, querem descobrir o caminho por si mesmas. Então é um pouco mais difícil. Realmente, não coloco mensagens nas músicas, talvez coloque idéias, que levarão às mensagens.
Folha - Você pensa em influenciar as pessoas que lhe ouvem?
Beck - Assumir esse tipo de responsabilidade..., quer dizer, tenho alguma responsabilidade, mas em última análise sou um músico, então não sou modelo pra ninguém. Se tivesse que passar algo, seria um negócio de "empowerment" (dar mais poder): se você entende ou gosta de algo e não tem recursos pra fazê-lo, não deixe que isso o impeça. Porque o mundo tende a esmagar as pessoas, especialmente se você é jovem e economicamente carente. Mas há coisas que você pode encontrar que não precisam de recursos. Não sou um orador inspirado, o tipo de cara que dá palestras (sorri). Essa é a questão com a música: música é uma fuga, mas não do mundo. É uma fuga pro espírito. Isso é muito mais efetivo do que as mensagens de anúncio publicitário. As pessoas desconfiam muito de mensagens.
Folha - Como é que você consegue achar o equilíbrio na sua vida entre realidades tão diferentes como a que você está vivendo agora e a de cinco anos atrás?
Beck - São os prazeres simples da vida, cara. Esses nunca mudam. Um bom pedaço de peixe é um bom pedaço de peixe; um bom travesseiro macio é um bom travesseiro macio, é sempre aquilo, não muda nunca. Você pode se perder no processo (de mudança). As armadilhas do sucesso são muito sedutoras, e você pode se enredar nelas. Há muitos mitos e fantasias das quais você tem de corresponder. Acho que junto o melhor do que vivi há cinco anos com o melhor do que vivo hoje.
Folha - Onde é que você acha que vai estar daqui a dez anos?
Beck - Eu vou só estar fazendo música. Espero que algumas pessoas a entendam.

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