São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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Do direito à reparação

MARIA LYGIA QUARTIM DE MORAES

O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, demonstrou estar atento à causa dos direitos humanos e especialmente à dos direitos políticos ao escolher o Sete de Setembro para reparar, em nome da nação, o dano infligido a patriotas que se ergueram contra a ditadura militar. Os democratas, especialmente aqueles que colocam os direitos humanos como índice de civilização, só têm motivos para apoiar o presidente na sua iniciativa.
Esse foi um passo muito importante, pois, como diz a lei internacional, todo governo que sucede a um Estado infrator tem o dever de averiguar as circunstâncias das mortes dos opositores políticos, punir os responsáveis e reparar moral e materialmente as vítimas.
O presidente Fernando Henrique Cardoso tem o mérito histórico de ter realizado a reparação oficial, reconhecendo a legitimidade das denúncias de grupos organizados que nunca cessaram de exigir justiça, como a Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Talvez seja o primeiro reconhecimento oficial das violências cometidas contra opositores políticos que se conhece na história do Brasil. Os governos que sucederam à ditadura Vargas são exemplos dessa omissão.
Os mortos que figuram na lista eram patriotas, que morreram por um ideal de justiça. Eram oponentes do regime ditatorial, que foram mortos em emboscadas ou nas câmaras de tortura. Não contentes em exterminar fisicamente os oponentes, os responsáveis pela repressão político-militar quiseram também assassinar a memória, negar a dimensão patriótica daqueles que morreram em nome de uma sociedade mais justa. Portanto, a reparação se faz com o reconhecimento da dimensão prioritariamente política da questão.
Para preservar a memória nacional, é preciso estabelecer a verdade dos fatos. Contudo ainda falta a apuração das circunstâncias em que morreram esses patriotas. Acredito que devesse partir dos setores mais democráticos das Forças Armadas a iniciativa de prestar tais informações e abrir os arquivos das atividades semiclandestinas dos aparatos de repressão militar.
Outras reparações serão necessárias: a experiência da tortura deixou sequelas psíquicas e físicas nos sobreviventes. Nesse sentido, falta ainda averiguar as denúncias de torturas cometidas contra gestantes e crianças, como testemunham ex-presas políticas -Criméia de Almeida, Eleonora Menecucci, Maria Amelia Telles, entre outras.
A impunidade policial é, historicamente, em parte responsável pelo grau de descrédito que as instituições atingiram. Na via da democratização do Estado brasileiro, é imperioso defender o direito da vítima, proteger o mais fraco e garantir que também os poderosos respeitem a lei.
Cada um dos familiares das vítimas, certamente, refletirá sobre a dimensão da reparação em curso. Norberto Nehring, que figura na lista dos 43 mortos homenageados no Sete de Setembro, meu marido e pai de minha única filha, tinha 29 anos de idade quando foi assassinado pela repressão político-militar, em São Paulo, em abril de 1970.
Para todos que o conheceram e o amaram, sua perda é irreparável. Resta o consolo de que sua memória permanece viva e respeitada. O Sete de Setembro de 1997 permanecerá como um marco na história dos direitos humanos no país.

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