São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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"Gosto de lembrar do amigo Rodrigo"

Arquiteto historia a preservação do patrimônio

SILVIO CIOFFI

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"Viajei muito de navio da Linha C, italiana, para mim a viagem ideal. Você fica o dia todo na piscina, longe de tudo, diante daquele mar imenso. As viagens levavam dez dias. Que férias! Nada de telefone, a pensar na vida, muitas vezes perversa demais."
O PATRIMÔNIO HISTÓRICO - "Andei com Rodrigo Melo Franco de Andrade pelos lugares históricos do Brasil e aprendi muito. Quando eu era estudante, ele me chamou para trabalhar no patrimônio. E juntos fomos muitas vezes a Ouro Preto. Como ele era dedicado ao patrimônio! Naquele tempo, tudo estava abandonado.
E Rodrigo tinha medo que as casas de Ouro Preto, encostadas umas nas outras, tombassem como baralho de cartas. As igrejas eram pilhadas, um descalabro. Gustavo Capanema compreendeu o problema. Chamou Rodrigo e Mario de Andrade, que fez os estatutos do patrimônio. Toda semana jantava com Rodrigo, e lá estavam sempre o Manuel Bandeira, o Pedro Nava e o Gastão Cruls."
ESCREVER BEM - "Quando eu estava saindo da escola, desinformado como quase todos, Rodrigo foi muito importante e insistia: 'Você tem de ler os clássicos, escrever bem, o arquiteto precisa disso, tudo se entrelaça.' Isso foi muito bom, aprendi a defender os meus projetos. A maioria é aprovada pelo texto explicativo. Quando termino o projeto, elaboro o texto e, se faltam argumentos, volto à prancheta. Num projeto para a Renault, em Paris, o presidente da empresa deu sua aprovação quando terminou de ler a explicação. O próprio JK estava sempre de acordo com o que eu fazia pela confiança no meu trabalho."
MACHADO DE ASSIS - "Uma vez o patrimônio organizou uma exposição sobre Machado de Assis, e ajudei o Rodrigo a montá-la. Durante duas noites trabalhamos nessa tarefa, colando textos e manuscritos pelas paredes. Como gosto de falar do Rodrigo, que era amigo e progressista! Nos problemas políticos que eu tive, ele sempre se manifestou. Era apaixonado pela nossa arquitetura colonial, pelo Aleijadinho, pelas velhas igrejas barrocas de Minas Gerais. Deixou tudo de lado para defender o patrimônio. E com tanta correção e discernimento, que, até hoje, o patrimônio histórico e artístico nacional acompanha a linha que ele estabeleceu. Era tão modesto que o livro 'Velórios', que escreveu, limitou-se durante muito tempo a ser distribuído pelos amigos. Muitas vezes assisti a reuniões do conselho do patrimônio e sentia como os intelectuais daquela época cuidavam de Rodrigo com o maior respeito."
OURO PRETO - "Por determinação de Rodrigo, fiz o projeto para o hotel de Ouro Preto. Naquele tempo, havia uma dúvida. Se a solução devia ser moderna ou no estilo colonial. Prevaleceu a primeira solução e o meu projeto era moderno como se impunha.
Lembro que, em Pernambuco, o meu amigo Fernando Brito projetou uma caixa d'água ao lado de uma antiga igreja. Um projeto moderno que acentuava as características daquela igreja. No meu projeto previ os quartos para viajantes que o programa desejava, pequenos, como camarotes de navio.
E fiz a sala de estar dos quartos com pé direito duplo, e os quartos em mezanino, como depois foi feito no hotel Park Lane, de São Paulo. Fiquei contente vendo que a solução que propus, tão discutida anos atrás, foi aproveitada nesse hotel, onde sempre me hospedo.
Mas o hotel de Ouro Preto foi muito mal construído e passei a vida inteira tentando consertá-lo. Um dia, quando Israel Pinheiro já havia saído de Brasília para ser governador de Minas Gerais, consegui resolver o problema.
Ele tinha me pedido um projeto e, quando o entreguei, pedi a ele que usasse os meus honorários para melhorar o hotel. Gostou tanto da minha carta que, até hoje, ela está pregada numa parede do palácio. Agora, com o hotel vendido, seu proprietário o está recuperando. A parte de estar já foi renovada, e um dos quartos refeito, para servir de modelo."
PARATI - "Confesso não gostar muito de Parati. Com suas ruas cheias de pedras, casas iguais e hotéis metidos numas delas. Mas a praia, que dizem não ser limpa, não tive tempo de ver. Parati deve ter sido uma área muito modesta, não tem nenhuma originalidade."
A ARQUITETURA MODERNA - "Minha arquitetura começou com Pampulha. Trazia comigo uma frase que ouvi de Le Corbusier, tão importante para mim que até hoje é uma das características da minha arquitetura: 'A arquitetura é invenção.' É claro que tivemos muita influência da sua arquitetura, mas a arquitetura que fazemos é muito diferente da arquitetura mais sóbria e retilínea que dele conhecíamos. Lembro que um dia, em Nova York, Le Corbusier falou: 'Você faz o barroco muito bem.' E, muitos anos depois, era ele mesmo que me dizia, em Paris, mostrando a fotografia da marquise do congresso de Chandigard, pregada na parede: 'Dizem que eu faço barroco, mas não é qualquer um que pode fazer aquilo'."

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