São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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Nova Orleans mantém primazia musical

EDSON FRANCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há dois anos, uma polêmica percorria as ruas estreitas do Quarteirão Francês, em Nova Orleans. A cidade comemorava o centenário da criação do jazz, fato que teria ocorrido em 1895, ano em que o trompetista negro Buddy Bolden (1877-1931) montou sua banda.
Para estudiosos ávidos por documentação, o big-bang do jazz aconteceu em 1917, quando foi lançado o primeiro disco da Original Dixieland Jass Band.
Até o fato de o estilo ter nascido em Nova Orleans é questionado por outros estudiosos. Eles alegam que aquele tipo de música, que fundia a tradição musical européia com batidas e abordagens instrumentais vindas da África, estava no ar em diversas regiões dos EUA.
Há evidências de que estilos similares ao jazz estavam sendo praticados em cidades como Memphis, Saint Louis, Dallas e Kansas City, além de outras menores no sul e no meio-oeste dos EUA.
E que tipo de sons estavam entrando nos ouvidos dos músicos que faziam experiências parecidas em cidades tão distantes umas das outras? Basicamente três.
Ragtime
Por volta de 1890, frequentadores das casas noturnas do sul dos EUA estalavam os dedos ao som de uma música que, diferentemente da européia, passava para o ritmo a função de ditar a melodia.
Era o ragtime, estilo que tinha como capital a pequena Sedalia, no Missouri, cidade na qual Scott Joplin (1868-1917) se instalou.
Com ritmo forte e sincopado, o ragtime tinha o suingue que inseminaria o jazz ainda por nascer.
A diferença mais evidente entre o ragtime e os primeiros estilos de jazz é o fato de o primeiro ser uma composição, com solos e harmonias previamente acertados. Faltava a improvisação.
Outro estilo musical que rondava o sul dos EUA no final do século passado era o dixieland. Contagiados pelo uso pouco ortodoxo que os negros faziam dos instrumentos tradicionais, músicos brancos passaram a incorporar notas que não faziam parte das escalas européias.
Organizados, eles criavam arranjos com contrapontos, técnica que, no jazz, seria levada à categoria de sublime anos depois, com o surgimento de orquestras como as de Count Basie e Duke Ellington.
A batida sobre a qual esses músicos despejavam os arranjos coletivos era reta, quase marcial. Portanto, além de ser desprovido de improvisação, o dixieland carecia do suingue.
Por fim, o final do século 19 nos EUA também era embelezado pelos três acordes, pouca técnica e muito sentimento instintivo dos músicos de blues.
Criado para purgar a dor dos negros que trabalhavam nas colheitas de algodão no delta do rio Mississippi, o blues trazia técnicas que seriam incorporadas pelo jazz.
A mais importante delas é o uso das "blue notes", aqueles tons localizados entre as notas da escala heptatônica (de sete tons) e que são responsáveis pelos aspectos mais picantes do fraseado no jazz.
Influências
Apesar da possibilidade de o jazz ter surgido em outras cidades simultaneamente, Nova Orleans pode continuar a se orgulhar de ser o berço do estilo.
Para explicar isso, precisamos voltar a Buddy Bolden e a sua banda de 1895.
Instabilidade mental e vida desregrada foram dois atributos que marcaram a vida desse trompetista que começou a aprender música com os vizinhos Manuel Hall e Charley Galloway.
Este último possuía uma barbearia. Músicos usavam o estabelecimento de Galloway como ponto de encontro pelo simples fato de ali existir um telefone, indispensável para acertar contratos para shows, paradas e festas.
Já com domínio sobre o instrumento, Bolden conheceu na barbearia bandas que privilegiavam arranjos de cordas, outras que colocavam os metais à frente e até algumas que participavam de paradas nas ruas de Nova Orleans.
A variedade de situações e formações desses grupos fez com que Bolden desenvolvesse uma técnica versátil, refinada e, sobretudo, pautada pelo improviso.
Além de um séquito de mulheres, que carregavam seu chapéu, sua blusa e seu lenço -jamais o seu trompete-, Bolden inspirou uma legião de discípulos musicais.
E é nessa legião que reside a primazia inquestionável de Nova Orleans quando o assunto é jazz.
Nos primeiros anos do estilo, nenhuma outra cidade americana -de Miami a Los Angeles, de Nova York a Seattle, de Houston a Chicago- foi capaz de produzir uma safra que reunia talentos similares aos de King Oliver, Bunk Johnson, Sidney Bechet, Kid Ory e Louis Armstrong.

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