São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 1997
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Consolidar a democracia

LÚCIO ALCÂNTARA

Lei eleitoral não é matéria para unanimidade. Será sempre motivo de controvérsia e debate. Trata-se de luta pelo poder, sempre acirrada. Nesse processo, o relator é um solitário; ninguém pensa exatamente como ele e ele não concorda inteiramente com ninguém. Não é possível aspirar a um consenso. Unanimidade, então, nem pensar.
Para avaliar corretamente o atual projeto de lei, é preciso que lembremos que a introdução do instituto da reeleição constitui uma experiência inusitada entre nós. Por isso, devem ser tomadas todas as cautelas para que esse novo instrumento não venha afetar a verdade eleitoral que se busca em um processo legítimo e democrático.
A adoção do direito à reeleição é um grande "choque" na cultura política nacional. Teremos, eleitores e lideranças, que aprender a lidar com isso, e não são regras virtuais ou artifícios legais, em alguns casos difíceis até de caracterizar, que irão impor uma conduta ética dos governantes-candidatos no processo eleitoral.
Entre os aspectos mais polêmicos, tem merecido destaque a questão do financiamento eleitoral. A proposta do financiamento público integral tem a minha simpatia. Trata-se de apontar na direção de uma total separação entre a representação popular e os interesses privados. A proposta daria, inclusive, aos partidos menores a possibilidade de disputar os pleitos em melhores condições.
Mas sua introdução no Brasil não poderia se dar sem que fosse precedida de uma ampla reforma político-partidária, com o objetivo de estabelecer as condições necessárias para a estruturação de um sistema partidário eficaz, em que distorções, como siglas de aluguel, não prevaleçam.
Apesar de considerar que o financiamento público pode vir a se constituir em forte instrumento contra o abuso do poder econômico, entendo que a sua adoção já para as próximas eleições é bastante temerária. Tal despesa, inclusive, não pode ser criada por um projeto de lei de iniciativa do Congresso, e sim do presidente da República.
Além disso, se aprovássemos o financiamento público sem um debate com a participação da população, esta poderia lembrar a cada um de nós a necessidade prioritária de investimento em bens de atendimento público, como saúde e educação.
Um tema que também tem suscitado polêmica na formulação da nova lei eleitoral é a proposta de desconsiderar o voto em branco para a composição do quociente eleitoral na eleição dos deputados. Ela incentiva a dispersão da representação partidária em benefício das siglas de menor representatividade, quando a tendência dominante em todas as discussões é no sentido de, garantindo amplo direito de organização e expressão, adensar a representação parlamentar em torno dos partidos de maior consistência eleitoral.
Outro aspecto que tem dominado os debates é o que diz respeito à participação, em inaugurações de obras públicas, de governantes que se beneficiam do direito de se recandidatar ao cargo.
Há variáveis que não estão sendo cogitadas. Nem sempre será benéfica à "recandidatura" de determinados governantes sua presença em momentos como esses. O eleitor saberá distinguir demonstrações legítimas de trabalho de meros factóides eleitoreiros. São momentos de superexposição, que deverão ser considerados com prudência pelos candidatos e avaliados pela sensibilidade incontestável dos eleitores.
Registre-se, ainda, que as regras ora adotadas para as eleições não são menos rígidas do que as existentes em países onde é permitida a reeleição. Quero observar também que o projeto, em sua tramitação pelo Senado, teve acatadas inúmeras contribuições de diversos senadores, refletindo, portanto, a opinião dos meus pares.
Por fim, há uma qualidade diferencial no processo de formulação da presente lei eleitoral. Ao contrário das anteriores, esta não é uma proposta voltada apenas para o próximo embate, mas visa dar forma às regras que regerão os processos eleitorais futuros do país. Por isso, merece o acalorado debate a que assistimos neste momento e a atenção da opinião pública nacional.
De minha parte, procurei, na tramitação do projeto, apresentar um parecer orientado por preceitos éticos e que pudesse ser uma colaboração, ainda que modesta, à consolidação da democracia e da livre manifestação de idéias e programas no processo eleitoral.

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