São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
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CYBERPOP

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na fronteira do século, fronteiras antes fechadas do pop vão ruindo e a tecnologia cai com mão pesada sobre a arte. Aparecem cada vez mais discos esquizóides e discos cada vez mais esquizóides; "Pup Tent", da banda norte-americana Luna, é o mais recente.
Chegando a seu quarto trabalho, o Luna vem do histórico de banda muito afeita ao poder melódico de cada canção, mas também de sonoridade muito simples, minimalista quase.
Inserindo-se numa tradição de pop underground que começa no ultratransgressor Velvet Underground, nos 60, e passa pelo punk americano dos 70 de Television e Patti Smith, o trio (de início, hoje quarteto) chegou a parecer, em seu disco mais coeso ("Penthouse", 95), uma atualização despretensiosa da banda de Lou Reed.
Foram desde sempre chapados, lunáticos -o nome já diz, e o nome ambíguo da primeira banda do vocalista Dean Wareham, a cultuada Galaxie 500, também já dizia. Mas o pop tão belo quanto quadradinho ainda predominava.
Aqui e agora se dá uma grande virada. O espírito lunático afinal se expande à sonoridade, e Luna volta disposto a se carimbar como banda portadora de passaporte para o futurismo do próximo século.
"Pup Tent" é um disco pós-Quentin Tarantino, pós-"Pulp Fiction" (o que é perigo de vulgarização). Abusa dos referenciais pop warholianos, desde a capa ilustrada com um caubói-Playmobil até referências abundantes a banana split, chocolate branco, torta cremosa de banana.
O formato pop é, muitas vezes, o de filmecos de faroeste, em "western songs" como "Fuzzy Wuzzy", "The Creeps" ou "City Kitty". Noutras, é de corruptela de cartum, caso de "Whispers", peça "easy listening" (como já era a regravação do clássico "Bonnie & Clyde", de Serge Gainsbourg) matizada pelo verniz vocal computadorizado/radiofônico.
O leito das canções é mesmo extraterrestre. A voz de Dean aparece "vocodizada", sobrenatural num punhado de faixas -"Ihop", "Beautiful View", "Pup Tent", "Whispers".
Parecem tentativas às vezes de música tecno, outras de rock industrial, mas são mesmo rock'n'roll. E definem um ponto de impasse à banda.
Querendo fugir do Velvet, os lunáticos buscaram afoitamente a modernização; ficaram, às vezes, parecendo Doors (o que é bem pouco moderno), como nas muito californianas "Whispers" e "Fuzzy Wuzzy".
Não é, enfim, o Luna em sua melhor forma. O que sobra, então? Em primeiro lugar, o que nove entre dez bandas modernas não possuem: letras de primeira.
Senão, onde mais ouvem-se hoje em dia versos como "your pockets are full/ of stolen glasses" ("Beautiful View") ou "and if you want me to/ I'm gonna cry you a river tonight" ("Pup Tent")?
E há, em segundo lugar, o que deve ser o principal: onde mais se ouve tanta melodia reunida num quinhão de música só?
Se duvida, ouça os refrões de "Pup Tent", "Beggar's Bliss", "The Creeps". Ou, melhor, ouça inteira a climática/apocalíptica "City Kitty". Revela o que o Luna de fato é: uma banda nem um pouco moderna cercada de idéias modernas por todos os lados. E com a nave apontada ao século que vem.

Disco: Pup Tent Banda: Luna
Lançamento: Elektra (importado)
Quanto: R$ 23
Onde encontrar: London Calling (tel. 011/223-5300)

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