São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 1997
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Lógica econômica e falência moral revisitadas

CLÁUDIO WEBER ABRAMO

Há cerca de dois meses, a Transparência Internacional divulgou seu Índice de Percepção de Corrupção para 1997. A lista constitui um ranking da corrupção conforme a percepção de executivos de empresas sediadas nos países exportadores. Inevitavelmente, os países importadores ocupam as posições inferiores. O Brasil comparece no 36º lugar, num total de 52 países.
Uma questão que se coloca (ver "Lógica econômica e falência moral", Folha, 11/8/97, pág. 1-3) é determinar qual seria a responsabilidade dos países exportadores no grau de corrupção detectado nos subdesenvolvidos.
Essa pergunta começou a ser respondida pelo próprio responsável pela compilação do ranking, Johann Graf Lambsdorff, professor da Universidade de Gõttingen: em 31 de agosto, ele distribuiu a um grupo restrito de pessoas um estudo em que compara a propensão dos países exportadores de corromper seus parceiros comerciais.
No trabalho, são comparados dados de 18 países industrializados, cruzados com informações sobre suas respectivas balanças comerciais, com os 52 países pesquisados no ranking da Transparência Internacional.
O ranking dos corruptores assim conseguido coloca o consórcio Bélgica/Luxemburgo como o mais propenso à corrupção, seguido de França, Itália, Holanda e Coréia do Sul. Na outra ponta, dos menos corruptores, estão Malásia, Suécia, Austrália, Áustria e EUA.
Para realizar a classificação, Lambsdorff estabeleceu parâmetros destinados a introduzir compensações quanto a fatores intervenientes, como a proximidade geográfica entre exportador e importador, a presença de um idioma comum, o fato de o país importador ter sido ou não, no passado, colônia do exportador, a composição dos itens comercializados e outros.
Muito bem: a desculpa que as empresas exportadoras usam para justificar a corrupção dos parceiros comerciais é que meramente se adaptam aos costumes locais. Portanto, os corruptores seriam, nessa hipótese, vítimas do processo de corrupção.
O que o estudo de Lambsdorff mostra é que essa desculpa não procede, pois, caso houvesse fundamento nela, os países exportadores não deveriam mostrar grandes diferenças entre si quanto à sua propensão de corromper: a diferença deveria residir nos países importadores.
Sob o ponto de vista da compreensão do fenômeno, as conclusões da pesquisa podem ser interpretadas como um questionamento da noção de que a corrupção resultaria da lógica econômica.
De fato, dado um mesmo país importador, empresas sediadas em diferentes países exportadores aplicarão pressões corruptivas diferentes, conforme suas inclinações. Isso pouco tem a ver com lógica econômica, mas com o maior ou menor comprometimento dessas empresas no cultivo de princípios de natureza ética e na obediência ao comportamento moral.
Parece evidente que as conclusões atingidas no plano das trocas internacionais podem ser estendidas, ao menos em princípio, às transações comerciais internas dos países. Em outras palavras, fica menos plausível a desculpa de toda empresa corruptora de que paga propinas (em geral a políticos e funcionários públicos) porque é achacada.
Ao contrário, uma condição necessária para B ser corrompido por A é que A queira, ativamente, corromper. Como nessa relação o poder econômico está com o corruptor, é evidente que a este se deveria atribuir a principal responsabilidade.

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