São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 1997
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Parentes de presos fazem rebelião às avessas

ANDRÉ MUGGIATI
DA REPORTAGEM LOCAL

O 44º Distrito Policial, em Guaianazes (zona leste de SP), viveu entre anteontem e ontem uma rebelião inédita. Ao todo, 23 mulheres, mães e avós de presos e 18 crianças se recusaram a deixar a prisão após o horário de visitas.
"Nunca ouvi falar de nada igual nos 24 anos em que trabalho na polícia", disse o delegado seccional Antônio Mestre Júnior.
A rebelião começou por volta das 17h30 de anteontem, quando se encerrava o horário de visitas aos presos, iniciado às 10h. Um grupo de parentes que se preparava para ir embora decidiu ficar.
"Eles (os presos) sugeriram que a gente ficasse, para que a imprensa viesse fazer uma reportagem sobre as más condições da cadeia", disse Solange Aparecida de Oliveira, 21, irmã de um preso. Um juiz-corregedor tentou uma negociação de madrugada, sem sucesso. A maioria dos presos não tinha reivindicações específicas e alguns pediam apenas a transferência para outros distritos. Ontem às 7h, os policiais cortaram água e luz dos presos, mas religaram às 10h, devido às crianças.
Nessa hora, 15 mulheres decidiram deixar a prisão, com dez crianças, após negociação. A rebelião terminou às 14h30 de ontem, quando Mestre Júnior ameaçou prender as mulheres que ainda ficavam com os presos, por "promoção de fuga".
Rebeladas
Três gerações de mulheres da mesma família estavam entre as rebeladas do DP de Guaianazes.
Maria Aparecida de Souza, 60, avó do preso Roberto de Souza, disse não ter tido dúvidas quando as outras mulheres decidiram ficar. "Foi difícil, mas na hora não pensei em mim, só nele", disse.
A filha dela e mãe de Roberto, Roseli Aparecida de Souza, 38, disse que, no momento em que decidiu ficar, não previa que o conflito fosse durar a noite toda. "Eu achei que ia sair logo, que viria a imprensa, faria uma reportagem."
A irmã do preso, Karina de Souza, afirmou não ter se importado com a "noite diferente" que passou entre os presos. "Eles me trataram bem, com respeito, e não deram nenhuma cantada", disse.
As três deixaram o DP após a primeira negociação com o delegado seccional, às 10h de ontem. "Não queríamos sair sem a garantia de que eles não seriam machucados pelos policiais", disse a avó.
Tereza de Sousa, 30, só deixou a cadeia depois de ser ameaçada de prisão pelo delegado, ontem à tarde. Ela afirmou, no entanto, que tornará a "invadir" a cadeia caso saiba, na visita da próxima quarta-feira, que seu marido foi machucado por policiais. Tereza ficou na cadeia com o filho Lucas, 3.
O pai da criança, Reginaldo da Silva, disse não se importar com o fato de seu filho ter passado a noite na cadeia, com os outros presos.
"Foi um tempo muito bom que eu pude passar com a minha criança", afirmou. Alguns minutos antes de as mulheres deixarem a prisão, Reginaldo ainda ajudava o menino a puxar um carrinho de brinquedo com uma corda. Na hora de sair, Lucas perguntou para a mãe: "Não posso brincar mais um pouquinho com o papai?"

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