São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997
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D. Eugênio é o 'xerox' do papa no Brasil

CRISTINA GRILLO
DA SUCURSAL DO RIO

Aos poucos amigos a quem se permite fazer alguma confidência, o cardeal-arcebispo do Rio, d. Eugênio de Araújo Sales, 76, costuma repetir com orgulho: "Eu sou o xerox do papa".
A frase dá o tom da relação do arcebispo com o Vaticano. D. Eugênio presta obediência total às diretrizes ditadas pela cúpula da igreja e, com sua feroz defesa da hierarquia, tornou-se um dos interlocutores favoritos do papa João Paulo 2º.
Sua obediência rendeu frutos. Toda a organização da vinda de João Paulo 2º ao Rio de Janeiro passou exclusivamente por suas mãos, deixando enciumada a cúpula da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Foi ele quem vetou as tentativas do MST de conseguir uma audiência com João Paulo 2º, assim como bloqueou, de forma discreta, as sugestões para que o papa visitasse outras cidades.
Na avaliação de pessoas ligadas à arquidiocese, com sua visita ao Rio, o papa João Paulo 2º presta uma homenagem ao homem que, nos últimos anos, tem ajudado a Cúria romana em todas as suas decisões sobre os rumos da igreja na América Latina.
Conservador
Para muitos, d. Eugênio é o exemplo mais claro do conservadorismo da igreja. Foi ele quem encaminhou para a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Tribunal do Santo Ofício), nos anos 80, o caso do então frade franciscano Leonardo Boff.
O cardeal discordava das interpretações de Boff -um dos principais representantes da Teologia da Libertação- expressas no livro "Igreja, Carisma e Poder", por considerá-las excessivamente próximas ao marxismo. Depois de sofrer uma série de punições por parte do Vaticano, o teólogo deixou a hierarquia eclesiástica.
Também foi d. Eugênio quem, em 1988, criou sua própria Campanha da Fraternidade -uma dissidência da campanha criada pela CNBB, por ele considerada excessivamente política.
Naquele ano, quando a entidade decidiu usar o slogan "Ouvi o clamor deste povo" para discutir a questão do negro, o cardeal do Rio utilizou o slogan "Muitas raças, um só povo".
A intenção da CNBB era fazer uma autocrítica sobre o papel da igreja na legitimação da escravatura no país. Já no Rio, a ênfase foi dada à tese da integração racial, relativizando o papel da igreja no processo escravocrata.
Mas o início de sua vida episcopal mostra um d. Eugênio um pouco diferente. Nos anos 60, quando foi bispo de Natal (RN), criou o SAR (Serviço de Assistência Rural), embrião dos futuros sindicatos rurais que surgiram na região, e o MEB (Movimento de Educação de Base), voltado para a educação de adultos.
"O d. Eugênio de Natal era bastante avançado para a época. Ele foi o primeiro bispo a confiar uma paróquia a uma religiosa. Até então, paróquias eram privilégio de padres", afirma o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, estudioso das questões ligadas à igreja no Brasil.
Outra característica ressaltada por críticos e seguidores do cardeal: a preocupação com o respeito aos direitos humanos.
Nos anos 70, d. Eugênio acolheu militantes que fugiam da repressão militar e se empenhou em ajudar na melhoria das condições dos que estavam presos.
Diferentemente de d. Paulo Evaristo Arns, que agia de forma mais ostensiva, mobilizando a sociedade e fazendo denúncias contra o governo, d. Eugênio optou na época por uma ação mais discreta -e, no seu entender, mais efetiva.
Eram frequentes os telefonemas para governadores e comandantes de prisões militares nos quais pedia que determinado preso fosse tratado de forma mais correta.
"Ele sempre teve a preocupação de ajudar quem estivesse em situação difícil, fosse quem fosse, mas sempre foi rígido com relação ao seu rebanho. Ele podia falar e cuidar dos comunistas, mas seu rebanho não podia", disse o escritor Moacyr de Góes, 67, militante do PCB nos anos 60 e que conheceu d. Eugênio quando o religioso foi bispo de Natal.
Presos políticos
Na opinião da presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, a atuação de d. Eugênio no caso dos presos políticos não foi tão efetiva.
"Na época, nunca pensamos em recorrer a d. Eugênio porque ele era extremamente conservador. Corríamos para São Paulo e nos amparávamos em d. Paulo. Mesmo anos depois, já como ex-presos políticos, nunca tivemos nenhum respaldo dele", afirmou.
Para o acadêmico Tarcísio Padilha, secretário-geral do Congresso Teológico Pastoral (que será encerrado pelo papa no dia 3 de outubro), d. Eugênio não mudou.
"D. Eugênio é um prelado fiel, ortodoxo e de alta sensibilidade social. Ele continua fazendo o que sempre fez. Já foi chamado de bispo vermelho, no período de Natal, e agora é chamado de conservador e retrógrado. O que acontece é que as pessoas gostam de colocar sempre um carimbo", disse.
Para Padilha, o cardeal-arcebispo do Rio é "a expressão da integridade". "Por isso ele é o homem de confiança do papa", afirmou.

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