São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 1997
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Indecência indefensável

MARILENA LAZZARINI

Anuncia-se para esta semana o início da votação da nova versão do projeto para regulamentar planos e seguros privados de saúde, do deputado Pinheiro Landim.
O governo -que com uma mão subtrai verbas orçamentárias já aprovadas para a saúde e com a outra continua recolhendo a CPMF, que substitui o orçamento sonegado- deu sua contribuição empurrando a população para os braços nefastos das empresas de assistência médica, ao mandar uma proposta semelhante em muitos pontos à anterior.
Ambas permitem a ampliação do mercado do sistema privado, deixando-o à vontade para vender planos para todos os gostos e bolsos. A opinião pública é iludida pela idéia de que essa será a solução para os problemas enfrentados pelos milhões de reféns dos planos.
Se prevalecer o poderoso lobby das empresas, teremos a legalização dos abusos que há anos são cometidos contra os consumidores.
A primeira armadilha do projeto é o "plano de referência de assistência à saúde", verdadeiro engodo, porque não estabelece limite mínimo à atuação das operadoras, mantendo caminho fácil para as abusividades. É inaceitável, ainda, a possibilidade de exclusões de doenças ou lesões crônicas, infecto-contagiosas e preexistentes.
A permissão para os limites de tempo de internação hospitalar, bem como para reajustar preços em razão da mudança de faixa etária, é igualmente inconcebível.
Por fim, é grave a verdadeira permissão para que continuem os aumentos abusivos ao não se estabelecer a obrigatoriedade de os contratos apresentarem, de forma inteligível, fórmula objetiva para reajustar mensalidades/prêmios.
A Justiça tem desempenhado um importante papel na restauração de uma relação decente entre empresas e clientes. Caso a lei não proíba os abusos, vamos retroceder em relação a essas conquistas.
O argumento das empresas para não oferecer planos decentes é o da alta dos custos, que excluiria grande parte dos usuários. Se esse tipo de terrorismo impuser a aprovação do projeto -ou seja, se o decente é inviável-, o Idec afirma que o indecente é indefensável.
Senão, o melhor será proclamar que, com as honrosas exceções, o Congresso é uma via de mão única, por onde só trafegam interesses empresariais; que o governo passa atestado de incompetência ao inviabilizar o sistema público e fazer vista grossa aos abusos do privado; que a existência digna e a defesa do consumidor não são mais princípios da ordem econômica (art. 170 da Constituição); que a saúde pode ser vendida como sabonete, e viva a liberdade de quem pode mandar. Preferimos, porém, o caminho da luta pela decência e vamos continuar nele.

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