São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 1997
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Pau que nasce torto

LUÍS PAULO ROSENBERG

De repente e pelos jornais, a sociedade e o próprio governo tomam conhecimento de que a Petrobrás assinou com um grupo privado um acordo prevendo consultas mútuas antes que cada uma delas possa tomar decisões que afetem ainda que indiretamente os resultados do projeto por ambas em desenvolvimento no pólo petroquímico de Paulínia.
Como se trata de um megaprojeto de ramificações imprevisíveis, tal compromisso é equivalente a um matrimônio entre uma estatal monopolista do petróleo no Brasil e um grupo privado.
Donde, o clamor de indignação geral: que país é este em que uma estatal, que jamais se submeteu ao freio de Brasília para balizar suas decisões, batalha por compensar seu monopólio ameaçado transbordando sobre a área da petroquímica e elegendo arbitrariamente um dos conglomerados privados nacionais para seu parceiro nessa aventura? Não satisfeita em bloquear a concorrência na extração e refino do petróleo nacional, a Petrobrás procura agora manter seu poder de monopólio na cadeia de produtos originários dos derivados do petróleo e do gás natural?
Há dois fatos irreversíveis que precisam ser lembrados para se desvendar o enigma por detrás da agressiva cláusula contratual recém-divulgada.
O primeiro é que nossa indústria petroquímica já nasceu torta, fruto do dirigismo estatal e voluntarismo político que prevaleceu durante o governo Geisel.
De fato, no mundo todo, a produção de petroquímicos é uma atividade que ocorre integrada à refinaria, pouco se diferenciando da produção da gasolina. No Brasil, como as refinarias compunham o monopólio da Petrobrás, a nova atividade teria de ocorrer nos pólos petroquímicos, uma ficção criada para não se roçar no monopólio da inatacável.
Pior: a seleção das empresas que comporiam o setor foi feita cartorialmente, de cima para baixo, criando-se na marra as associações tripartites, onde o controle acionário era partilhado por uma estatal, uma privada nacional e uma multinacional.
Enquanto a economia brasileira era fechada à importação e obrigava-se o consumidor brasileiro a pagar até o triplo do preço internacional para consumir a aspirina produzida em Camaçari, o modelo funcionava placidamente. Com a abertura e a privatização da parcela estatal no capital dessas empresas, o pau começou a comer solto entre os amiguinhos que ontem partilhavam civilizadamente o butim, transformados em adversários pela prevalência da economia de mercado.
O segundo fato tecnológico inevitável é que a atividade petroquímica exige escala. Só os grandes sobrevivem, pois empresas de porte médio não têm custos para competir com a produção de petroquímicos das grandes refinarias do Primeiro Mundo ou do Oriente Médio. Daí a imperiosidade de se criarem parcerias dentro do Brasil para não perecer.
Agora fica mais fácil entender a pororoca armada: no setor petrolífero, mesmo sabendo por lei que não será privatizada tão cedo, a Petrobrás procura desesperadamente costurar alianças com o setor privado para manter sua hegemonia por muitos anos após a abertura do setor à competição: já as empresas do setor petroquímico sabem que são as candidatas naturais a ter refinarias, entrando no setor petrolífero pela porta dos fundos, mesmo que para começar estejam em associação com a Petrobrás.
No setor petroquímico, os papéis se invertem: é a Petrobrás que procura penetrar por meio de parcerias com empresas do setor privado, que se preocupam em alcançar escala internacional de competitividade antes que sejam exterminadas.
Primeira conclusão: fomentar a concorrência no setor petrolífero enquanto ainda existe um monopólio estatal de fato, cujas decisões escapam da supervisão federal, será missão impossível. Já que o controle acionário não é exercido pela União sobre a Petrobrás, cabe ao Cade entrar arrebentando a estatal sempre que ela se valer de seu poder de mancomunação para agredir o interesse do consumidor.
Segunda conclusão: não há como garantir a sobrevivência da dezena de empresas nacionais do setor petroquímico. A aberração não é o seu desaparecimento e sim como foi o nascimento delas. Mesmo coibidas as operadas da Petrobrás, e por mais que as associações de classe empresariais do Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul botem a boca no trombone, não há escala de mercado para que tantas boquinhas acostumadas às tetas da reserva de mercado continuem sugando o leite que, com a abertura econômica, passou a ser do seu legítimo destinatário -o consumidor nacional.

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