São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 1997
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Thibaudet revela o intraduzível Bill Evans

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estranha idéia: horrorizaria os puristas. Mas não há puristas no jazz, e o disco vem sendo recebido com simpatia e admiração pela crítica internacional.
Menos que "Conversas com Bill Evans", como quer o título, são transcrições minuciosas e fidedignas de gravações do grande pianista americano, reapresentadas como peças de concerto por Jean-Yves Thibaudet.
Pode-se dizer que não faz muito sentido reproduzir em partitura as improvisações efêmeras de um jazzista. O jazz vive dessa efemeridade, vive na morte de cada nota que passa. Mas, se o argumento for levado a sério, então não se deveria nem gravar uma improvisação. O jazz só pode ser escutado ao vivo.
Mas o jazz também sobrevive em gravações. E Thibaudet vai só um passo além, com a vantagem de reinterpretar Bill Evans (1929-1980) a seu modo.
Esse, então, é um Bill Evans em câmara lenta, sem contrabaixo e bateria, mais melancólico do que desesperado. Suas peças, nas mãos de Thibaudet, exalam um conforto nostálgico, bem mais satisfeito e comportado do que a exaltação impossível, perpetuamente perseguida, do compositor de "Turn Out the Stars".
Nem todo mundo terá paciência para escutar as 12 faixas, que gravitam às vezes muito perto do "piano ao cair da tarde". Mas, uma a uma, elas são todas sedutoras, e seria injusto não reconhecer o quanto a gente descobre, agora, nesta claridade, do que era obliquamente adivinhado em "Song for Helen", "Since We Met" ou na pequena "Waltz for Debby".
Entre muitas coisas do estilo de Evans, uma das mais impressionantes é seu domínio de um recurso básico no jazz, que tem origem na Renascença e que se conhece tecnicamente por "divisões".
Isso é: a subdivisão dos intervalos melódicos em um número cada vez maior de notas. O que era simples vai ficando mais cheio de notas a cada repetição.
Bill Evans fazia isso até o limiar da compreensibilidade e sempre de forma imprevisível. O resultado é vertiginoso e talvez inimitável. Nem mesmo um pianista tão virtuosístico quanto Thibaudet dá conta. As notas estão lá, mas a dicção foi completamente alterada.
No ano passado, a Warner lançou um CD maravilhoso com as últimas peças gravadas por Evans, em 1980, acompanhado pelo baixista Marc Johnson e o baterista dessa função, em seu famoso trio com Scott LaFaro e Paul Motian, na década de 60.
E a Verve, agora, relança em CD o álbum "Conversations with Myself", em que Evans toca com ele mesmo, três Evans sobrepostos em estúdio.
À distância dos anos, essa música vai ficando melhor, menos presa a seu tempo. O CD de Thibaudet, por outro lado, com todo o seu charme, parece mais limitado.
Seu disco compartilha o destino das traduções: o original vai ser recriado para sempre; a tradução ninguém traduz. Mas ele tem, além de suas próprias virtudes, o mérito de revelar, em outros tons, o quanto há para ser ouvido e reouvido na música intraduzível de Bill Evans.

Disco: Conversations with Bill Evans
Artista: Jean-Yves Thibaudet
Lançamento: Decca

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