São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 1997
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Um dia vamos pousar no aeroporto Tom Jobim

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quem será a rainha Guilhermina? Quem terá sido Paul Redfern? Quem foi Ataulfo de Paiva e, pior, que terá feito o Visconde de Pirajá em sua digna vida, que eu desconheço, para merecer a honra de ser a principal rua de Ipanema?
Leitores não-cariocas, vós não conheceis estas ruas, por estardes longe desta cidade que foi a capital burocrática do país durante séculos, vós não conheceis a corte de homens ignotos que ficaram famosos depois de mortos, numa plaquinha de esquina.
Tem muita gente que só vive para virar rua. Geralmente, são os vorazes políticos, ferozes donos do poder de nomear e destituir que se arrogam praças, ruas, complexos viários.
Os artistas ficam esquecidos. Onde estão a rua Nelson Rodrigues, a avenida Di Cavalcanti, onde o viaduto Antonio Bandeira? Onde está a praça Glauber Rocha e eu mesmo penso: será que, ao morrer, terei ao menos um "beco sem saída do Jabor", onde sempre vivi?
Onde está o nome de Antonio Carlos Jobim? Depois das idas e vindas esquisitas de César Maia, querendo apressadamente colar um Tom em qualquer rua, não se falou mais nisso. Por isso, participo agora da campanha que a Danuza Leão está fazendo com artistas e intelectuais para nomear o aeroporto do Galeão de "Antonio Carlos Jobim".
Eu, pessoalmente, prefiro só Tom Jobim. "Atenção senhores passageiros, estamos nos preparando para descer no aeroporto Tom Jobim...." E toca o "Samba do Avião" no alto falante.
Acho ótima a idéia de Tom virar aeroporto porque ele era uma fronteira. Tom deu ao aeroporto do Galeão, além da música, uma importância grande nos anos 60, uma "leveza globalizante", antes da moda. Me explico.
Nesta época, o "mundo exterior" ainda era um lugar de assombro. O sujeito ia a Paris ou Nova York e voltava nos olhando de cima, deixando cair nomes de restaurantes ou de shows e, diante dele, torcíamo-nos de humilhação. Ser aceito pelos gringos era a suprema vitória.
O sujeito voltava e continuava andando pelos Champs Elysées, mesmo que estivesse pulando buracos ou evitando mendigos na rua da alfândega. Aos poucos, ele ia sossegando até baixar em nosso subdesenvolvimento. Quando a bossa nova voou para Nova York e fez o tal famoso show do Carnegie Hall, todos viramos João Gilbertos e Tons, parecia que todos tocávamos pandeiro e cuíca no fundo do palco.
Com Tom era o contrário: ele viajava com o Brasil na cabeça ou na mala, porque o Brasil não era para ele um exílio pobre, mas um lugar poético no espaço. Quem andaria com Tom pelo Soho em Nova York e se lembraria do bairro da Gamboa? "When I walk around the Soho, I remember the Gamboa"... Tom não ia para o Exterior, ele voltava. "Se eu ficasse lá, eu acabava feito o Sergio Mendes ou feito o Lalo Schifrin, fazendo música sintética para filme", me disse uma vez.
Quem não conhece a foto célebre de Tom voltando para o Rio, na pista do aeroporto, camisa fora da calça, cigarro na boca, violão na mão e batido por um grande vento de felicidade?. Esta foto é um marco, um claro instante tão forte como a barriga de Leila Diniz na praia ou o charuto de Villa-Lobos.
Bem sei que há políticos que já dizem que ficaria caro e tecnicamente complicado para o Galeão se adaptar ao novo nome. Talvez, talvez; mas por que o aeroporto de Fiumicino em Roma pode ter o subtítulo de Leonardo da Vinci?
Inveja... Secreto despeito da fama essencial de Tom. Tantos políticos já gestam suas futuras placas de rua. O Sarney está vivinho e já tem memorial e mausoléu em S. Luis e, certamente, um dia teremos avenida Jarbas Barbalho ou boulevard Amazonino Mendes e quem sabe uma ponte FHC, ligando a esquerda à direita. Talvez, se Tom pudesse ser consultado, ele próprio iria ser contra: "Você sabe não é, Jabor, esse negócio de ser nome de aeroporto é muita responsabilidade.... Muita neblina no Tom Jobim, tá caindo avião no Tom Jobim ou o Tom Jobim está interditado... Ficava feio... Talvez nome de uma ruazinha quieta, ali em Ipanema resolvesse...". Mas como "falecido" não "perua", vamos em frente.
O Galeão chamado de aeroporto Tom Jobim teria muitas serventias. A primeira delas seria nos lembrarmos dele sempre nos momentos cruciais das chegadas e partidas, nos beijos de despedida, moças e rapazes chorando abraçados, na volta dos solitários.
Os aeroportos são lugares de romântica liberdade, como o Tom. Pensando bem o Tom parecia mesmo um aeroporto, amante de grandes vôos, de pássaros que nele pousavam. Talvez Tom combinasse mais com o Santo Dumont, leve e gracioso, mas esse já tem dono. Outra serventia seria o aeroporto Tom Jobim funcionar como uma espécie de "alfândega estética" para todos.
O novo nome já seria uma depuração dos viajantes que chegassem, uma lembrança da delicadeza de melodias e harmonias, um filtro para os maus bofes das viagens: o sujeito já entraria limpo e poetizado. O nome no aeroporto não seria para perpetuar o Tom. Seria mais para não esquecermos do clima que ele sempre desejou para o Rio de Janeiro, um rio essencial que ele protegeu... No futuro, como em "Chansong", diríamos para a mulher amada, de malas prontas: "vamos, meu amor, para o Tom!" ("come on, my love, dress up, let's go to Tom Jobim").
Amigos boêmios também poderiam dizer: "vamos comprar uns uisquezinhos ali no 'free shop' do Tom... Ele gostava de 'Old Parr...' ".
Mas, a grande beleza de tudo seria a chegada ao Rio, vendo a paisagem lá embaixo com as serras, o mar e a lagoa que ele cantou e os passageiros pensando: "Estamos chegando e Tom Jobim vai nos receber de braços abertos sobre a Guanabara..."

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