São Paulo, sexta-feira, 4 de dezembro de 1998
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O ministro da Produção

LUÍS NASSIF

Há uma certa confusão sobre o Ministério da Produção, que ficou mais patente depois que o candidato natural ao cargo, o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, deixou o governo. Nos últimos dias, proliferaram nomes de candidatos ao posto, de ministros a grandes empresários paulistas especializados em discutir política industrial.
O papel que foi pensado para esse ministério está a anos-luz da concepção tradicional de política industrial. Pessoas como o ex-ministro Antonio Delfim Netto, o atual ministro da Saúde, José Serra, o Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (Iedi) são especialistas no manejo dos instrumentos tradicionais. Defendem políticas macroeconômicas voltadas para o desenvolvimento, o uso de tarifas contra as importações predatórias, a criação de mecanismos de subsídio e financiamento, todos instrumentos válidos na grande luta pelo aumento da competitividade, mas instrumentos mais adequados ao manejo da Fazenda do que o da Produção.
O papel do ministério é de outra natureza. Inclui a discussão desses mecanismos, mais a articulação social e econômica dos diversos setores envolvidos com a produção. É um papel muito mais coordenador e indicativo do que permitia o velho modelo autárquico, onde toda inteligência e decisão emanavam de um gabinete ministerial.
No fundo, o que se propõe é a montagem de um sistema produtivo, onde entram associações e prefeituras, institutos de pesquisa, organizações voltadas para o treinamento (como Sebrae, Sesi e Senai), promoção do comércio exterior, bancos financiadores etc.
Trata-se de uma área que dispõe de poucos especialistas no Brasil. Nos últimos anos, houve uma revoada para a Itália atrás das experiências locais. Muitas federações de indústria e escritórios regionais de Sebraes debruçaram-se nesse esforço. Em alguns Estados do Nordeste, como o Ceará, há experiências interessantes em torno de pactos de produção. Mas a soma interna de conhecimento ainda é insuficiente.
Por tudo isso, o ministério tem de contar com pessoas alinhadas com essa nova concepção e com abertura suficiente para criar o novo, saber articular vontades soberanas e ter sensibilidade para induzir a criação de uma rede econômica e social.
Em geral, as pessoas mencionadas para essa função estão mais em linha com o pensamento convencional.
Papel frio
Um dos setores em que o país dispõe de vantagens comparativas, papel e celulose, está penando para enfrentar a concorrência internacional, em função da perda de competitividade acarretada pela atual política econômica.
Constitucionalmente, a imprensa goza de imunidade tributária na compra de papel. Nos últimos anos, muitas gráficas passaram a simular a edição de jornais para ter acesso a subsídio. Quando as empresas legalizadas passaram a coibir a prática, esse setor passou a recorrer a importações. E aí apareceu mais flagrantemente a perda de competitividade sistêmica do país.
Em geral, a competição com os importados obedecia ao que o setor chama de "taxa de conforto" -ou seja, quanto o consumidor brasileiro aceitava pagar a mais para evitar o desconforto de uma importação. No caso do papel, há uma tarifa de importação de 12%, mais frete, tarifa de armazenagem e impossibilidade de uma política de estoques curtos.
Além do câmbio mais desvalorizado, os competidores do sudeste da Ásia estão financiando as exportações com 420 dias de prazo e 6% de taxa de juros ao ano. Enquanto isso, empresas médias brasileiras conseguem descontar duplicatas a no mínimo 4% ao mês.
Mas com o dumping financeiro e o câmbio, os importados estão entrando pesado. Neste ano serão US$ 1 bilhão em importações, contra US$ 500 milhões de média histórica. Parte disso vem por meio de fraudes no papel linha d'água, destinado à imprensa.
Ovelhas e economistas
Há piadas que valem mais que mil artigos. Esta me foi contada por um amigo jornalista.
Um pastor estava com centenas de ovelhas em um campo. Parou um carro e dele saltou um homem armado de uma calculadora. De pronto, desafiou: "Se eu adivinhar quantas ovelhas você tem, você me dá uma delas?". O pastor topou na hora. "Apascento ovelhas há 30 anos e nunca consegui calcular; como você, um homem da cidade, conseguiria?"
O homem olhou, olhou, calculou daqui e dali e fulminou: "365 ovelhas". Na mosca! O pastor reconheceu o acerto e perguntou como ele fazia. "Não interessa, passa para cá a ovelha", respondeu o calculista.
Quando o carro ia saindo, o pastor gritou: "Vamos apostar essa ovelha como adivinho sua profissão, cidade e local de trabalho?". O homem aceitou na hora. O pastor: "Você é economista, mora em Brasília e trabalha no Banco Central". O homem, surpreso, admitiu que estava certo. Antes de devolver a ovelha, perguntou: "Me explica: como você soube disso?'" E o pastor: "Não interessa, pode devolver meu cachorro".

E-mail: lnassif@uol.com.br

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