São Paulo, sexta-feira, 4 de dezembro de 1998
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Ousadia anárquica

CARLOS ADRIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em novembro de 1968, um filme produzido na Boca do Lixo paulistana era lançado no Cine Marabá, uma das salas mais populares no eixo poeira-pulgueiro do centro da cidade.
O primeiro longa-metragem do jovem diretor e crítico instaurou uma revolução no cinema brasileiro. E, de quebra, faturou alto na bilheteria. Rogério Sganzerla fez um manifesto de invenção audiovisual sob formato de obra-prima.
"O Bandido da Luz Vermelha" é um filme de rupturas programáticas, de desabusada ousadia. Cada fotograma parece impregnado por um desejo deflagrador de criação (e desconstrução). Brutal-tropicalista, a narração é fragmentada, descontínua, repleta de saltos e quebras de eixo.
A genial montagem articula enunciados disparatados, disjunções digressivas e desesperada ironia por meio de livres-associações em parataxe.
A mixagem sonora é inovadora. À moda de uma transmissão radiofônica, a locação de vozes em dueto e falsete escancara humor e derrisão.
Tributário de Godard, Welles, Fuller, o autor traz assinatura visceral e original: "um filme de cinema". Referência incontornável, rendeu ensaios seminais, como o de Ismail Xavier ("Alegorias do Subdesenvolvimento").
Policial-chanchada, faroeste do Terceiro Mundo, filme inclassificável e "desclassificado" (como diria o próprio diretor), "O Bandido da Luz Vermelha" segue a trajetória do marginal que aterrorizou São Paulo durante os anos 60 (João Acácio mofou décadas na prisão até ser solto como débil e morto meses atrás).
Tripudiando sobre as pretensões pedagógicas da "síntese nacional", o filme faz um diagnóstico anárquico das mazelas surreais do país. Sua antiteleologia messiânica é apocalíptica. No novo cinema, não havia redenção.
O epílogo antológico faz a terra em transe dançar ao som de Hendrix e candomblé, enquanto a scifi trash baixa na favela. Dotado de energia arrebatadora, "O Bandido" ainda é um petardo virulento da arte subversiva no alvo retomado do conformismo.

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