São Paulo, segunda-feira, 28 de dezembro de 1998
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Tostão poupado é tostão ganho

FRANCISCO VIANA

Qual a diferença entre o provérbio "o dinheiro não será seu escravo se você não for o seu senhor" e "dinheiro atrai dinheiro"? Ou ainda, "o dinheiro faz o homem" e "o dinheiro fala"?
Nenhuma resposta será suficientemente precisa se não ficar bem claro que o estilo de lidar com dinheiro e a cultura de um povo são faces inseparáveis da mesma moeda.
Na Inglaterra, por exemplo, a aristocracia não empobreceu no pós-revolução industrial porque, ao contrário dos seus esnobes vizinhos franceses, correu para se associar à burguesia emergente e fez das fábricas e das Bolsas de Valores uma caixa registradora.
Na América, por sua vez, o rápido crescimento da economia neste século esteve intimamente associado à idéia de que tempo é dinheiro. Portanto, tudo devia convergir para que cada dólar ganho fosse um degrau para se chegar a mais e mais dólares.
No Brasil, o tema do dinheiro sempre foi meio maldito. Em parte, porque a herança barroca da Contra-Reforma tende a ver o capital pela ótica da usura, como se todo lucro fosse ilegítimo. Ou simplesmente um pecado.
Mas o dado crucial é de natureza objetiva e encontra-se diretamente associada à arraigada cultura inflacionária. Hoje festeja-se no país a menor inflação das últimas três décadas. Mas, quando se olha para trás, é fácil constatar que mesmo se tratando de um avanço consistente, o caminho a percorrer ainda é longo.
Desde a Segunda Guerra Mundial até o Plano Real o Brasil só conheceu inflação inferior a 10% nos anos de 1947, 1948 e em 1957. Em 63, pouco antes do golpe militar, a inflação já rondava os 60% e o dinheiro se volatizava.
Nas décadas seguintes, o quadro se agravou continuamente e a noção do valor do dinheiro, que já não era sólida, desmanchou-se no ar. Claro, a situação mudou.
Contudo, a lógica do brasileiro de lidar com dinheiro permanece a mesma. Trabalha-se duro para ganhar dinheiro, mas gasta-se com facilidade.
No livro "Moeda: de onde veio, para onde foi", o economista John Kenneth Galbraith conta que no século 17, nos Estados Unidos, não se levava dinheiro nos bolsos, mas em carroças. Um par de sapatos custava cinco mil dólares e um conjunto completo de roupas, um milhão de dólares. Sim, exatamente isso.
O tempo passou. A moeda americana estabilizou-se. Entre nós, porém, a era da estabilidade está longe da maturidade e a cultura da inflação ainda está muito viva. Basta ver o desprezo com que tratamos as pequenas quantias, como se um real não valesse quase tanto quanto um dólar.
Quando se gasta dinheiro impensadamente, ninguém parece lembrar que alguns bilionários como Paul Getty ou John David Rockfeller economizavam até nas esmolas e anotavam todos os gastos.
Se alguns desses magnatas vissem os brasileiros consumindo seu suado dinheiro, ficariam espantados. Uma das práticas que certamente não entenderiam é a facilidade com que se emite cheques pré-datados, uma instituição nacional que compromete o presente e hipoteca o futuro.
E tem mais o uso compulsivo dos cartões de crédito, apesar dos juros que desafiam a gravidade colocarem o país no "ranking" mundial de recordistas do custo do dinheiro.
É tempo de dar uma virada. O sentido de poupança e investimento é a chave de toda a prosperidade individual e coletiva. Sem esse binômio, não há geração de riqueza e a moeda perde força.
Por isso, de todas as frases de efeito que já se escreveu a respeito do dinheiro, a que mais parece apropriada para o Brasil de hoje é a velha máxima do Tio Patinhas: "Tostão poupado é tostão ganho".
Os céticos quanto à arte de poupar podem argumentar que Frank Sinatra, que detestava o tilintar dos centavos, distribuía dinheiro com a mesma alegria que enxugava uma garrafa de Jack Daniel's e nem por isso ficou pobre. Dizia-se sobre ele: "Frank acorda e Deus joga dinheiro em cima dele". E Sinatra apressava-se em explicar: "E eu jogo de volta."

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