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Crítica - Documentário

Diretora expõe relação com o pai e lembranças da ditadura

PEDRO BUTCHER COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ao mesmo tempo em que se filia a algumas tendências do cinema contemporâneo --documentário em primeira pessoa e "autoficção"--, "Os Dias com Ele" se diferencia de outros filmes com os mesmos preceitos graças ao rigor (des)construtivo e a recusa à autoindulgência da diretora.

Em seu primeiro longa-metragem, Maria Clara Escobar viajou a Portugal para filmar seu pai, o dramaturgo, filósofo e professor Carlos Henrique Escobar, que vive na cidade de Aveiro desde 2000.

Em pouco tempo, fica evidente que ela tem na cabeça um filme de caráter mais livre e confessional, enquanto o pai espera uma espécie de documentário oficial sobre sua obra filosófica e teatral.

Ao longo da projeção muitas outras tensões emergem. Parte da sabedoria da diretora está na decisão de incluir na montagem final vários momentos que, em um documentário tradicional, seriam deixados de fora --boa parte deles envolvendo a negociação em torno do que deve (ou não) ser dito e/ou mostrado.

Esse processo de desconstrução da linguagem documental expõe toda a complexidade da relação entre a diretora e seu "objeto" --que, no caso, é também seu pai. As tensões de uma relação familiar problemática também emergem de forma nada óbvia e pungente.

A convicção da diretora de arrancar de seu pai uma descrição minuciosa de suas lembranças dos tempos da ditadura militar, incluindo os episódios de prisão e tortura, lança o filme sobre uma linha tênue da ética documental.

Às vezes o espectador se pergunta se a diretora não está impondo ao pai uma exposição dolorosa demais, à qual ele não queria se submeter, e o quanto dessa insistência não poderia estar ligada a questões pessoais, muito mais do que à "importância histórica" do depoimento.

Mas são justamente esses momentos de sinceridade e exposição absolutas que retiram "Os Dias com Ele" do campo da banalidade e o transformam em um filme absolutamente corajoso sobre a intricada relação entre a memória pessoal e a coletiva.

"Os Dias com Ele" é um filme difícil de ser visto, mas é relevante tanto no campo da investigação da linguagem quanto nas revelações históricas que proporciona.


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