Crítica musical
'Nine' tem rara reunião de talentos femininos
Montagem sob direção de Charles Möeller já vale ida ao teatro por famoso número central, estrelado por Myra Ruiz
Carol Castro faz a esposa não só com elegância e sensualidade, mas com grande envolvimento emocional
É um musical de mão-cheia, em especial para quem já conhece e gosta do gênero. A inspiração é "8 1/2", o filme de Fellini, mas poderia ser também --e alguns acreditam ter sido-- "Company", clássico moderno criado por Stephen Sondheim e já montado no Brasil pela mesma dupla Möeller & Botelho.
Com composição complexa e de estilos musicais diversos, sempre envolvente, criada por um Maury Yeston que pouco deve a Sondheim, corre também em torno de um indivíduo. Neste caso, o cineasta Guido, alter ego do cineasta italiano, e de muito artista contemporâneo.
A encenação pode não ser tão "extravagante" quanto a original de 1982, como festejada então pelo crítico Frank Rich, mas acumula talentos e facetas femininas, de personagens e atrizes, como é raro ver em musical no Brasil.
Também traz bons atores, dois apenas, nos papéis de Guido adulto e criança, mas o que mais interessa, como na atenção do personagem principal, são as mulheres.
O número central, aquele que fez o musical entrar para a história do teatro americano e tornou "Ti Voglio Bene/ Be Italian" uma canção "standard", popular além de seu tempo e do teatro, é interpretado por Myra Ruiz de maneira tão enternecedora que, se fosse preciso uma única cena para justificar a ida ao teatro, seria essa.
DESCOBERTA
A jovem atriz, que dá seus primeiros passos fora da linha de coro, já havia chamado a atenção pela voz em "Nas Alturas", mas agora se integrou perfeitamente à direção de Charles Möeller e em especial à coreografia de Alonso Barros, revelando-se intérprete plena.
No número, Guido, aos 9, se transforma ao conhecer a prostituta Saraghina --e receber uma aula sobre as mulheres, o que elas querem. Guido jamais seria o mesmo, no elo com a mãe, com a mulher, com a amante, com a atriz que o inspira, com sua produtora.
Esta, Lili La Fleur, é interpretada por Totia Meirelles, que já havia feito de maneira exuberante tanto Joanne em "Company" (2000) como Rose em "Gypsy" (2010), personagens de perfil semelhante: forte, egoísta, apaixonada.
Em "Nine", mais que produtora de cinema, ela é uma ex-estrela do Folies Bergère, cabaré de Paris que o espetáculo homenageia com um número comandado por ela com direito a plumas e paetês.
Também veterana em musicais, embora muito jovem, Malu Rodrigues interpreta a amante do cineasta, Carla, e não tem a menor restrição em expor a superficialidade e a ingenuidade da personagem, um dos mais engraçados em cena. É também uma das vozes mais potentes no palco, aquela que arrebata o público pela garganta.
Dentre as muitas atrizes qualificadas no palco, destaque-se ainda que Carol Castro, mais conhecida por televisão, faz a esposa não só com elegância e sensualidade, mas com grande envolvimento emocional, passando no final da extrema tristeza à alegria, convincente em ambas.
Mas a encenação poderia ter contornado ou procurado sustentá-la melhor, como faz com outras, nas passagens de maior exigência vocal, em que canta com dificuldade, trêmula, levando à angústia da espera de um deslize de afinação.
Por fim, o ator italiano Nicola Lama, que faz Guido, abraça as cenas cômicas de maior ridículo sem constrangimento e empresta grande autenticidade ao personagem e à adaptação brasileira. É eficiente também quando a cena exige drama e, conhecido de musicais recentes como "Se Eu Fosse Você", canta cada vez melhor.
NINE - UM MUSICAL FELLINIANO
QUANDO de qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h
ONDE Teatro Porto Seguro, alameda Barão de Piracicaba, 740, tel. (11) 3223-2090
QUANTO de R$ 50 a R$ 200
AVALIAÇÃO muito bom