Marcello Nitsche exibe 'pop mambembe'
Retrospectiva reúne mais de cem obras de artista que usou estética da sociedade de consumo para atacar a ditadura
Mostra no Sesc Pompeia repassa todas as facetas da carreira do autor, das famosas bolhas dos anos 60 a peças mais recentes
Nos anos de chumbo, Marcello Nitsche encontrou no plástico uma arma contra os abusos do poder. "Metia pau na ditadura", conta o artista. "Mas tinha que disfarçar com esses trabalhos mais alegres."
Um dos maiores nomes da arte pop nacional, Nitsche, 72, mergulhou no mundo da sociedade do consumo, usando a linguagem da publicidade e das histórias em quadrinhos para denunciar o regime autoritário que estava corroendo o país --sua saída foi criar uma obra corrosiva à altura.
Mas é uma acidez oculta, debaixo de uma superfície lustrosa. Juntos agora em retrospectiva no Sesc Pompeia, mais de cem trabalhos de Nitsche formam um painel da contracultura, dos primeiros experimentos nos anos 1960, quando fez suas famosas bolhas infláveis, a esculturas atuais, lembrando pinceladas que se materializam no espaço.
"Lig Des", instalação de 1967 que dá nome à mostra, sintetiza a veia iconoclástica de Nitsche. É uma chaminé industrial presa a um motor que enche de ar uma enorme bolha vermelha. Inútil, sua máquina parecia apontar os rumos vazios de uma nação comandada por militares de egos inflados.
Também remete a certo automatismo que ele via atravessar a vida no país que se industrializava, com vontades e consciências acionadas e adormecidas quase como um aparelho que liga e desliga.
"Isso foi uma afronta naquela época", diz Ana Maria Belluzzo, que organiza a mostra. "Era a arte buscando um lugar na sociedade do plástico e dos objetos, uma arte pop meio mambembe."
Nesse sentido, a obra de Nitsche evidencia como o projeto pop no Brasil, lastreado em vontades políticas, pouco tinha a ver com o pop britânico e americano, mais voltados a uma reflexão sobre o poder da imagem e da arte em tempos de reprodução industrial.
Um letreiro luminoso escrito "Superman", também na retrospectiva, poderia até ser confundido com algo saído da cabeça de um Andy Warhol ou Rauschenberg não fossem os fios expostos e um motor de vitrola que faz tudo piscar.
Nessa gambiarra exposta, Nitsche escancarava menos os mecanismos perversos da publicidade e mais um quadro de precariedade absoluta.
SUTURANDO FERIDAS
Suas ações mais radicais, no entanto, vieram mais tarde, nos anos 1970, quando fez uma série de vídeos em que aparecia costurando a própria mão com linha e agulha e mais tarde a paisagem, levando fios enormes a uma pedreira.
Da escala mais íntima à mais gigantesca, Nitsche repensava ali as noções de escultura ao mesmo tempo em que queria se mostrar suturando as feridas de um país em frangalhos. "Queria costurar para que aquilo ficasse do jeito que estava, paralisar", diz ele. "Quando eles destruíam a paisagem, destruíam a gente."
MARCELLO NITSCHE
QUANDO de ter. a sáb., das 10h às 21h; dom., 10h às 19h; até 30/8
ONDE Sesc Pompeia, r. Clélia, 93, tel. (11) 3871-7700
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